Manos Achalinotopoulos

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ARCHiPELAGOS | Passagens (Crónica)

Posted by michales loukovikas on 2020/07/25

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ARCHiPELAGOS | Passagens (Crónica)

Amélia Muge | Michales Loukovikas

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ | Δίαυλοι (Χρονικό)
/ENGLISH/ ARCHiPELAGOS | Passages (Chronicle)

Sobre as ilhas do Egeu | – vem cá fora e vê! –
os anjos batem as asas | espalhando rosas…

Michales Loukovikas

I. REVISITANDO O ARQUIPÉLAGO
1. O arquipélago
(a. Está a Jónia em flor? / b. Onde está Atenas?)
2. Κατολοφύρομαι (Katolophýromae: É tão profunda a dor)

Hélia Correia está nos nossos corações; e no coração deste Archipelagos. A nossa sequência mais longa é quase toda baseada no seu extenso poema A Terceira Miséria, que começa com uma citação de Friedrich Hölderlin do seu poema Pão e Vinho: Para que servem os poetas em tempos de indigência? Seguindo os passos de Hélia, o nosso ponto de partida foi O arquipélago, também deste poeta. Durante uma viagem ao norte de Portugal, onde vivia sua mãe, Maria José, já com 96 anos, Amélia Muge convenceu-a a recitar com ela alguns excertos deste poema. José Martins lá estava para as gravar. Começámos bem… Agora que penso nisso, sinto que foi uma pena que a filha de Amélia, Cristiana, não tivesse participado também: teríamos três gerações a recitar em conjunto!

O arquipélago, como nos lembrou Hölderlin, era originalmente o Mar Egeu e as suas ilhas. Como introdução, acho que não podíamos encontrar melhor melodia para evocar a música do Egeu do que a desta bela canção tradicional, em versão instrumental, mas cuja primeira estância se pode ler acima. Faltava o “toque” português: ao lado do violino de Kyriakos Gouventas, convocámos a guitarra portuguesa de Ricardo Parreira. Excelente combinação!

Depois havia que resolver o problema do mar. Inicialmente, adicionei sons do mar (ondas, gaivotas, etc.), mas Amélia reagiu: Demasiado realista, disse. Então teve uma ideia fantástica: E se fossem vozes em vez de ondas? Eu e José respondemos em coro: Vamos a isso! Esse coral das ondas, concebido pelo José e cantado em coro por Maria Monda (Sofia, Susana, Tânia), Cramol e Teresa Campos, fez-me sentir que não são apenas ondas do mar, mas também esses anjos voando sobre o Egeu espalhando rosas…

Eurípides

Este foi o primeiro, brilhante, florido excerto do poema (Está a Jónia em flor?). Para o segundo, escuro e sombrio (Onde está Atenas?), fiz novo arranjo de uma antiga composição minha (no Ouro do Céu, para poesia de Ares Alexandrou), que abre caminho a Eurípides e à sua tragédia, Orestes. O stasimon Katolophýromae, introduzido por Harris Lambrakis no ney e flauta de bisel, é cantado em grego antigo por um coro composto por Amélia, Andreas Karakotas, Manos Achalinotópoulos, e eu próprio no papel de corifeu. (Escrevemos sobre Eurípides e Orestes na nossa Arquipédia, uma das secções do eBook que acompanha o CD, onde se pode encontrar muita informação complementar sobre o ARCHiPELAGOS. Muito desta informação é também apresentada aqui no nosso blog, se seguirem os links que estão nos títulos de cada sequência).

1. Friedrich Hölderlin (Der Archipelagus, 1800-1801, excertos, adaptação para português: Amélia Muge) | a. Tradicional do Egeu / b. Michales Loukovikas | Arranjo: M. Loukovikas, A. J. Martins
2. Eurípides (Orestes, 408 AEC, fragmentos: estrofe e antístrofe) | Adaptação-Arranjo: M. Loukovikas

II. CANTOS DA ARGILA
3. Embalar meninos, acordar adultos
11. Μάγισσα Θάλασσα (Νέοι Λαοί τής Θάλασσας) | Mar feiticeiro (Novos Povos do Mar)

Hino hurrita a Nikkal, Ugarit (séc. XIII AEC)

Num navio do tempo /espaço, viajámos um milénio para trás, de Atenas do séc. V AEC. até Ugarit, Síria, c. 1400, para ouvir um Hino hurrita. Na verdade, depois de Eurípides, não fiquei assim tão fascinado quando o ouvi; mas Amélia quedou-se espantada, pela semelhança com um outro hino, anti-fascista, Acordai!, de José Gomes Ferreira e Fernando Lopes-Graça, escrito por volta de 1946, uma década antes da publicação do hino hurrita. O meu coração oriental, por outro lado, foi sendo tocado por algumas versões do hino no género cromático. O problema era que as mesmas o afastavam de Acordai. Por isso, fizémos duas variações: uma, diatónica, próxima de Acordai (Canção de embalar meninos e acordar adultos), e outra, como lamento diatónico-cromático sobre a tragédia dos refugiados (Mar feiticeiro).

Cabeça de mulher chorando com lenço (1937, possivelmente um estudo para Guernica),
de Pablo Picasso

Foi para mim um choque tremendo ver, na orla de uma praia, a foto do corpo de uma criança que se afogou quando a família tentava passar da Turquia para a Grécia. Os meus versos começam com uma frase que ouvi a outro refugiado, em Marrocos, que não conseguiu atravessar o Estreito de Gibraltar para a Espanha: Quando miro o mar, os meus olhos ficam cheios d’água… Que tocante é a interpretação do meu amigo Andreas Karakotas, tele-dirigido por mim: eu em Lisboa, ele em Salónica! Ana Dias, na harpa, criou o pano de fundo apropriado tanto aqui como no tema Utopia (Ilhas Imaginárias).

3. Amélia Muge / José Gomes Ferreira (Acordai!, excerto) | Anónimo (Hino hurrita antigo, fragmento) / Fernando Lopes-Graça (Acordai!, excerto) | Adaptação: A. Muge. Αrranjo: A. J. Martins
11. Michales Loukovikas | Anónimo (Hino hurrita antigo, fragmento) | Adaptação-Αrranjo: M. Loukovikas

III. MACARONÉSIA (Macárōn Nẽsoe: Ilhas Afortunadas)
4. Ali no meio do mar
5. Dança do trigo
6. Um gingado lamento

Cesária Évora

A Macaronésia é composta por quatro arquipélagos no Atlântico norte: Açores e Madeira (Portugal), Canárias (Espanha) e Cabo Verde. O nome deriva do termo grego Μακάρων Νῆσοι (Macárōn Nẽsoe, Ilhas Afortunadas ou Ilhas dos bem aventurados), usado pelos geógrafos para as ilhas Elísias, ilhas a oeste dos Pilares de Hércules (Estreito de Gibraltar), um paraíso terrestre sem inverno. De acordo com Hesíodo, eram os Campos Elísios, habitados por heróis. Estrabão identificou-as com as ilhas das Hespérides.

Gingado Lamento, de Amélia, dedicado a Cesária Évora, tem este toque mágico. Encantou-me, desde a primeira vez que o ouvi. Assim, como o finale da saga da Macaronésia, que é ainda melhor! Nesta sequência são solistas Amélia e Rita Maria (que canta a Dança do Trigo em castelhano) sendo os coros feitos por Maria Monda e por mim.

4. Amélia Muge / Tradicional (Canárias, Açores) | Arranjo: A. J . Martins, A. Muge
5. Amélia Muge / Tradicional (Canárias) | Arranjo: A. J. Martins, A. Muge
6. Amélia Muge | Arranjo: M. Loukovikas, A. J. Martins

IV. PENAS DE AMOR O QUE SÃO?
7. A tentação
8. Δέδυκε ἀ σελάννα / Lua desceu, mergulhou
(a. A lua mergulhou / b. Sentidos divididos / c. Eros)

Safo de Ereso, cópia romana de
um original grego (séc. V AEC)

A Tentação, é, a meu ver, uma das melhores composições de Amélia, feita para este poema de Hélia. Disse-lhe muitas vezes ser uma pena não estar num dos seus álbuns. Pronto, aqui está ela! E em boa companhia: a de Safo.

Graças a Amélia, que teve a ideia de a incluir, pesquisei bastante, lendo a poesia Sáfica; para compor, acabei por combinar três fragmentos:(*) A Lua baixou, Sentidos divididos, e Eros. Além do mais convenci Amélia que conseguiria cantar em helénico antigo – experiência que descreveu depois como… um salto sobre o abismo! Neste “salto” é acompanhada por Rita Maria, Catarina Anacleto e Maria Monda.

(*) Embora a sua poesia fosse bem conhecida e grandemente admirada na antiguidade, quase toda chegou até nós em fragmentos, principalmente por a Igreja cristã desaprovar a sua moral e as autoridades eclesiásticas adorarem queimar as suas antologias…

7. Hélia Correia | Amélia Muge | Arranjo: F. Raposo
8. Safo (em grego antigo e português – adaptação: Amélia Muge) | Michales Loukovikas | Adaptação-Arranjo: M. Loukovikas

V. CANSAÇO DE SER
9. Sono de ser
10. The Hours (As horas)

Fernando Pessoa

Esta sequência é dedicada a Fernando Pessoa. Começa com Sono de ser, outro dos meus temas favoritos, que já tinha sido editado, com outro ambiente musical, no seu CD A Monte. Aqui, o canto de Amélia cria um daqueles raros momentos. É excelentemente acompanhada por Filipe Raposo.

The Hours, um dos Poemas Ingleses de Pessoa, destaca-se também. Compus o tema para Sofia Vitória (CD Echoes, dedicado aos poemas ingleses de Pessoa). Como acabou por não entrar no seu trabalho pude, felizmente, tê-lo aqui com o meu arranjo… heavy metal, reforçado pelo vibrafone de Kostas Hanís e o contrabaixo de António Quintino! Amélia e eu sincronizámos as nossas vozes e o coro (Maria Monda) sintonizou-se connosco.

O modo como compus esta canção foi, para Amélia, fascinante. Durante um dos meus passeios de fim da tarde pela vizinhança, com o The Hours sem me sair da cabeça, lembrei-me do Time dos Pink Floyd com os relógios a tocar logo que a música começa. Decidi então ter um clique de relógios marcando os segundos, os minutos, As horas… Fui acelerando o passo, murmurando as palavras de Fernando e, de repente, a linha do baixo apareceu! Continuei a repetir esta linha até chegar a casa, pois não tinha nada aonde apontar e iria esquecer. Ao chegar, Fernando também me ofertou a linha melódica básica! Trabalhei furiosamente durante… Horas; Só parei quando até o arranjo ficou pronto. Mandei-o imediatamente, felicíssimo, para Amélia…

9. Fernando Pessoa | Amélia Muge | Arranjo: F. Raposo
10. Fernando Pessoa | Michales Loukovikas | Arranjo: M. Loukovikas

VI. NA TAVERNA DO PORTO
12. Versos quaisquer (Pedidos com instância)
13. Ο Νικόλας ο ψαράς (Nicolas, o Pescador)

É a sequência do… fadobetiko (termo cunhado por Amélia). O seu tema, à la fado corrido, é baseado num poema satírico de João de Deus, um dos maiores poetas portugueses do séc. XIX. A introdução, feita por Kyriakos Gouventas, tem um sabor a norte dos Balcãs, em acordo com a referência poética à Transilvânia.

Giorgos Mitsakis (E) and Vasilis Tsitsanis (D)

O trágico Nicolas, o pescador, combina dois dos maiores compositores de rebético: Vasilis Tsitsanis, um dos fundadores do rebético moderno (abrindo o caminho a grandes compositores como Manos Hadjidakis e Mikis Theodorakis); e Giorgos Mitsakis, um hábil compositor e letrista, apelidado de o mestre como tocador de bouzouki.

Muito emocionado (desfiz-me em lágrimas ao cantá-la no estúdio; Amélia e o engenheiro de som, Christos Megas, pensavam que eu me estava a rir…), descrevo a trágica figura de uma mãe vestida de negro que durante meses, de pé, em frente ao mar, aguardava a chegada da pesca de seu filho, Nicolas, sem que ninguém tivesse coragem de dizer-lhe que se tinha afogado… Esta canção também comoveu os portugueses. Falaram-me de outras mulheres vestidas de negro que ainda permanecem de pé, à beira-mar, fixando o longe de olhos vazios…

12. João de Deus | Amélia Muge | Arranjo: A. J. Martins
13. Giorgos Mitsakis | Vasilis Tsitsanis | Arranjo: M. Loukovikas

VII. ILHAS IMAGINÁRIAS
14. Uma ilha, Utopia
15. Penélope de Ítaca
16. Meninos perdidos

Ulisses entre os Feácios, de Jean Broc. Odisseu mostra seu areté físico ao vencer o concurso de arremesso de disco depois de ser desafiado por um atleta Feácio. Muito antes de Platão, Homero
é o primeiro a descrever a Utopia, ou até a Atlântida, que ele chama Esquéria, a terra dos Feácios.

O nosso fascínio pelos lugares míticos e imaginários. Fico contente que acabe musicalmente na Trácia, onde nasci, com esta dança lendária, zonarádikos, onde se destacam Amélia e Maria Monda (vozes), Manos Achalinotópoulos (clarino/clarinete folk) e Harris Lambrakis (ney). Viajamos antes disso pela Utopia de Thomas More (onde Amélia evoca a Caixa vazia de Ares Alexandrou) e ainda por Ítaca de Penélope e Ulisses, para, finalmente, encalharmos na Terra do Nunca, de J. M. Barrie, encontrando não Peter Pan ou Sininho, mas uns muito especiais Meninos Perdidos.

VIII. EM TEMPO DE INDIGÊNCIA
17. Sem Deuses
18. Nós
19. Feitiço / Experimentos
20. As ilhas do Egeu
21. A ruína da Grécia
22. Falamos de sombras (Democracia)
23. Um início

Esta sequência tem por base excertos dos poemas de Hélia: Indignação (Nós e Feitiço) e A Terceira Miséria (restantes excertos). N’A Terceira Miséria, poema dedicado à Grécia,(*) começa por citar, como já foi dito no início, Hölderlin: Para quê, para que servem os poetas em tempo de indigência? O poeta alemão é referido várias outras vezes, especialmente quando ela fala de Atenas. Senti-me lisonjeado quando vi o Partenon na capa do livro. Ficou Amélia sem palavras, quando leu o poema. Por tudo isto, esta é a nossa sequência principal.

(*) Como expliquei ao falar de Periplus, nosso trabalho anterior, Hélia é uma entusiástica helenista e filelena, reinterpretando os mitos helénicos e dando destaque a heroínas como Antígona, Helena, e Medeia. Tanto no seu poema maior, A Terceira Miséria, como também na Indignação, ela refere-se aos Argonautas de Jasão, à antiga Ágora das poleis helénicas, à Odisseia de Homero, às Ilhas do Egeu e Ruína da Grécia, aos deuses antigos, Pã e Alexandria, a Péricles e à democracia. Quando foi galardoada com o Prémio Camões (2015), a mais prestigiada distinção do mundo Lusófono, dedicou-o à Grécia, de onde vem a poesia, sem a qual não seríamos nada, nem teríamos nada, como disse na cerimónia de entrega do prémio, exclamando no final: Viva a Grécia! Por tudo isto, é uma tristeza que ninguém tenha publicado A Terceira Miséria na Grécia. Enfim, é a quarta miséria da parte da Grécia moderna…

Friedrich Hölderlin, o poeta fileleno, por Johanna Ebertz (1979)

A citação de Hölderlin em Sem Deuses é repetida em Ilhas do Egeu, numa paisagem sonora completamente diferente. Aqui, depois de muitas experiências, usei como modelo a introdução a Eco, composição de Manos Achalinotópoulos, desenvolvendo-a mais no sentido uma improvisação livre. Como Manos está na nossa equipa, foi possível trabalhar com ele esta ideia, que também teve improvisos de Harris Lambrakis, Amélia e Kyriakos Gouventas. Que prazer, ter aqui Hélia recitando a sua própria poesia!

Nós e A Ruína da Grécia são duas canções gêmeas; os poemas da Hélia são aqui gémeos também! Lembro-me de ouvir dentro de mim a melodia da Ruína desde a primeira vez que li Nós, os ateus, nós, os monoteístas… Depois, mudando o compasso de cinco para seis tempos, rearranjei-a para os versos de Nós.

Para ser sincero, não conhecia quase nada sobre Hölderlin. Tentando saber mais, leio na ficha de informação básica da Wikipedia: “Nascimento – 20 de Março…” (Oh, pensei, no mesmo dia que eu!); “… 1770” (Ena! No mesmo ano de Ludwig!!) Imediatamente a seguir tive uma ideia completamente louca: Bem, e depois? Terceira miséria… Terceira sinfonia! Deixa-me ver… Na verdade, não tinha grandes expectativas. Comecei a entoar a Miséria com a melodia da Marcia funebre de Beethoven no Segundo movimento da Eroica. Principiei com a 25ª parte do poema, “Sim, falamos de sombras”… que me pareceu mais adequada. Fiquei espantado! Mas havia mais melodia. Então, agora vamos voltar atrás e tentar a 23ª parte, “A terceira miséria é esta”… Impressionante! Um pouco mais e terminamos a primeira parte da Marcia, pensei. Esse pouco mais foi encontrado na 32ª parte da Miséria: “Estão as praças como ágoras de outrora”… E o mais fantástico de tudo isto: a melodia de Ludwig acabava com a frase de Hélia: “fervilhante palavra própria da democracia” – Inacreditável!!! UM MILAGRE!..

Procurei a partitura de Beethoven. Tinha adaptado de memória a mesma melodia no meu trabalho O Ouro do Céu; mas desta vez queria ser rigoroso. Meticulosamente rearranjei a partitura, atribuindo as linhas melódicas a outros instrumentos, sem deixar nada de fora (espero). O confronto final veio quando apresentei a minha loucura à Amélia. Como não falo português, só então percebi que várias palavras ou frases estavam fora do lugar, não muito bem adaptadas à música. A ajuda dela neste aspecto foi crucial. Depois, foi a minha vez de a convencer de que não queria aqui uma voz operática – talvez até nem Ludwig a quisesse, ou então, porque teria ele acrescentado Sotto voce sob o título? Queria ter a voz dela habitual. Feito! E estou muito orgulhoso do resultado – mesmo que alguns puristas se possam vir a queixar…

Posso dizer aqui o que disse anteriormente a propósito de Eurípides: Se Ludwig nos pudesse ouvir, espero sinceramente que tivesse sorrido e aplaudido aprovadoramente, apesar das pedradas dos puristas! Participaram também, para lá de Maria Monda, Rui Vaz, José Manuel David e Pedro Casaes no coro, Filipe Raposo ao piano, bem como o meu amigo Kosmás Papadópoulos no clarinete.

O que é que alguém poderia compor depois de tal música? Acho que a Amélia nem sequer pensou nisso – e fez ela muito bem; apresentou uma melodia tão primorosa para Um início, que a coloco ao lado de Ludwig! Considero esta sua composição como a melhor do nosso Archipelagos.

17. Hélia Correia | Amélia Muge | Arranjo: A. Muge, A. J. Martins, M. Loukovikas
18. Hélia Correia | Michales Loukovikas | Arranjo: M. Loukovikas
19. Hélia Correia / A. Muge | Amélia Muge | Arranjo: A. J. Martins, F. Raposo
20. Hélia Correia | Manos Achalinotópoulos, Amélia Muge | Arranjo: M. Loukovikas
Improvisos: H. Lambrakis, M. Achalanitópoulos, A. Muge, K. Gouventas
21. Hélia Correia | Michales Loukovikas | Arranjo: M. Loukovikas
22. Hélia Correia | Ludwig van Beethoven (Terceira Sinfonia, Eroica, 1804, Segundo movimento, primeira parte: Marcia funebre, Adagio assai, Sotto voce) | Adaptação-Arranjo: M. Loukovikas
23. Hélia Correia | Amélia Muge | Arranjo: A. J. Martins, F. Raposo

IX. JÁ SE DÃO AS VOLTAS TODAS
24. Νοσταλγία: Το παράπονο του μετανάστη | Nostalgia: A queixa do emigrante
25. Nostalgia: Cantar de emigração
(a. Sodade / b. Run-Run se fue pa’l norte / c. Cantar de emigração / d. A queixa do emigrante)
26. Alegria

Rosalía de Castro (E) and Violeta Parra (D)

É a nossa sequência sobre migrações e regressos a casa (nostalgia e nostos). Abraçando várias ideias da Amélia, combinei um rebético de Vasilis Tsitsanis (também conhecido pelo título de Como um banido, à deriva), com Cantar de emigração de Rosalía de Castro e José Niza, Run-Run se fue pa´l norte de Violeta Parra e Sodade de Armando Soares. Amélia tinha-me escutado, tempos atrás, a cantar o referido rebético e enviou-me uma adaptação que me lembrou o fado, também aqui incluída como instrumental. Além disso, estou muito feliz por ter connosco representantes dos quatro coros femininos que Amélia convidou para o projeto De Viva Voz (emocionei-me tanto neste concerto!): Cramol, Maria Monda, Catarina Moura (Segue-me à Capela) e Teresa Campos (Sopa de Pedra). Ainda Rita, Rui, David, e Pedro, Paló e Mariana Abrunheiro, Amélia e eu próprio – começando esta aventura Como um banido, à deriva…

José Saramago, por Carlos Botelho

A sequência termina com outra adaptação de Amélia, onde combina a Alegria de José Saramago com uma excelente melodia do nosso amigo Giorgos Andreou, que aqui também dirige a Orquestra de Cordas Palhetadas de Patras.

24. Vasilis Tsitsanis | Arranjo: M. Loukovikas
25. a. Armando Soares (adaptação: M. Loukovikas) / b. Violeta Parra / c. Rosalía de Castro (adaptação para português: J. Niza) | José Niza / d. Vasilis Tsitsanis (adaptação: A. Muge) | Arranjo: M. Loukovikas, A. Muge
26. José Saramago | Giorgos Andreou | Adaptação: A. Muge, A.J. Martins. Arranjo: G. Andreou

X. O QUE AS ONDAS CONTAM
27. Κύματα μύρια τού πελάγου / Ondas do mar de Vigo
28. Contas do mar (Bulería de Sines)

Exuberância, de Penny Warden

A nossa última sequência começa com outra adaptação de Amélia, combinando uma Cantiga de amigo de Martín Codax, com um rebético de Esmirna de Panaiotis Tountas e que cantamos aqui nas duas línguas. Como na altura estava a trabalhar nas canções de Tountas, Retratos de Mulheres do Rebético, “pintados” com a sua excelente Arte de Modulação, costumava enviar cópias do meu trabalho para a Amélia; no dia dos meus anos, agradeceu-me desta forma, com esta excelente adaptação em forma de presente de aniversário.

O finale é uma peculiar Bulería que compus em Sines, em 2012, quando lá fomos preparar o nosso concerto de apresentação de Periplus, no Festival Músicas do Mundo. Nesse concerto, tocámos esta bulería na sua forma inicial. Daí para a frente mudámos a canção tradicional portuguesa interposta; a que temos agora é mais adaptada à bulería, com um certo sabor espanhol. Eu chamo-lhe pan-ibérica, daí ter combinado a guitarra portuguesa de Ricardo Parreira com a guitarra flamenca de Thomás Natsis. E que bem cantada por Catarina Moura e Teresa Campos, juntamente com Maria Monda, Amélia e, por fim, um coro de crianças. Como Maria Graciete Besse acertadamente comentou analisando o ARCHiPELAGOS:

“O disco começa com uma voz da sabedoria que recita versos de Hölderlin (a mãe de Amélia, com 98 anos) e termina com um coro infantil, desenhando assim um itinerário que se projecta no futuro.”

Desfrutem!

27. Martín Codax (adaptação em grego: Michales Loukovikas) | Panaiotis Tountas | Adaptação: A. Muge. Arranjo: M. Loukovikas (Cantiga de amigo de um dos melhores trovadores medievais combinada com a melodia do maior compositor do rebético de Esmirna)
28. Amélia Muge | Michales Loukovikas, Tradicional Português | Arranjo: M. Loukovikas, A. Muge

Outubro 2017

● Ver também: PERIPLUS | Luso-Hellenic Wanderings (Chronicle) | GIORGOS ANDREOU on ARCHiPELAGOS
| MARIA GRACIETE BESSE on ARCHiPELAGOS | MARIA DO ROSÁRIO PESTANA on ARCHiPELAGOS

PERIPLUS | Deambulações luso-gregas (Crónica)

Posted by michales loukovikas on 2020/07/01

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PERIPLUS | Deambulações luso-gregas (Crónica)

Amélia Muge | Michales Loukovikas

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΠΕΡΙΠΛΟΥΣ | Ελληνοπορτογαλικές περιηγήσεις (Χρονικό)
/ENGLISH/ PERIPLUS | Luso-Hellenic Wanderings (Chronicle)

O Periplus não é um cruzeiro. É uma tentativa de construção de
pontes interculturais e de pesquisar o passado a bem do futuro.
A viagem continua… (Michales Loukovikas)

A. DAS AUSÊNCIAS
1. Uma pena que me coube
2. Όσο βαρούν τα σίδερα | Pesado como ferro

Periplus, edição portuguesa

Periplus levanta âncora da “Terra das Ausências” com (quem sabe) a “Menina Lisboa” cantando uma composição de Amélia Muge dedicada à Grécia, um país julgado in absentia que quanto mais se contacta mais falta nos faz. São “Penas de Ausência”, semelhantes às da viúva de “Pesado como ferro”. Musicalmente, a viagem começa com o acompanhamento “característico” das canções portuguesas – quando um “estranho” som emerge: o clarino (clarinete tradicional) tocado por Manos Achalinotópoulos com a técnica peculiar, tradicional, usada pelos músicos dos Balcãs e da Ásia Menor, combinado com a guitarra portuguesa de Ricardo Parreira. ● Manos, que gravou em Atenas, fez dois improvisos que editei usando ambas as gravações.

As “Deambulações luso-gregas” tornam-se mais evidentes na segunda canção de origem cretense marcada por uma forte influência da Ásia Menor. No nosso período de pesquisa, enquanto trocávamos materais relacionados com as nossas músicas tradicionais, enviei esta canção como um exemplo excelente da canção cretense urbana. O que aconteceu a seguir foi qualquer coisa de extraordinário: Amélia respondeu com um… mp3, interpretando esta canção da forma como “se apropriou dela”, adaptando a letra para português e a música como se fosse um tema medieval, ocidental. Fiquei espantado! Era como se me tivesse ouvido a cantar a canção nalguma corte medieval e depois, ao regressar a casa, tentasse recriá-la; mas de facto, o que fez foi expressá-la à sua maneira, criando uma variação. Foi praticamente deste modo que a música se desenvolveu durante milénios, até começarem a ser usadas as partituras e os registos fonográficos. E foi esta a razão porque fiz o arranjo da canção mantendo estas duas variações.

1. Amélia Muge | Arranjo: F. Raposo
2. Tradicional, versão de Creta | Adaptação para português e para música antiga ocidental: A. Muge; arranjo: M. Loukovikas

B. DOS CAMINHOS
3. Caminhos de seda
4. Caminhos pentatónicos africanos
5. Caminhos pentatónicos epiróticos

Quando Amélia compôs esta espécie de morna desafiou-me: “Agora continua até à Grécia a partir de Cabo Verde!” A minha resposta deu-me a chave para continuar: “Como é que eu vou daqui até à Grécia? Temos a África pelo meio!” Só aí pensei na escala pentatónica que caracteriza alguma da música africana e da região do Épiro, na Grécia. Os dados estavam lançados! Harris Lambrakis deu-me depois “uma mãozinha” com a sua “flauta mágica” (ney)…

Parafraseando, como ponto de partida, algumas das frases quer da melodia quer da lírica do tema de Amélia, o meu trabalho nos “Caminhos pentatónicos” foi mais racional que o resultado da inspiração, baseado num ritmo de 10 tempos, coros e linhas melódicas cíclicas que funcionaram muito bem.

Chegados à Grécia, escolhi combinar esta paisagem sonora com uma canção de emigração do Épiro, “Ξενιτεμένο μου πουλί (Meu pássaro emigrante)”, baseada num ritmo de 4 tempos. Como acrescento pedi a Manos Achalinotópoulos, que não é apenas um excelente tocador de clarino mas também um cantor maravilhoso, para interpretar a canção, dotando-a do seu refinado “toque vocal” tradicional.

3. Amélia Muge | Arranjo: F. Raposo
4. Amélia Muge | Michales Loukovikas | Arranjo: M. Loukovikas e A. Muge
5. Tradicional, versão do Épiro | Arranjo: M. Loukovikas

C. DOS CANTOS
6. Φαίνου | Deixa brilhar (Ἐπιτάφιος | Epitáfio)
7. Canto em periplus

Amélia é amiga de longa data de Hélia Correia, compondo para poemas seus desde os anos 90 – de que é um excelente exemplo “A tentação”. Quando me encontrei pela primeira vez com Hélia estávamos no processo de construção do nosso Periplus. Depois de uma conversa sobre a antiga Hélade, como ela é uma helenista e filelena, ao falarmos do nosso trabalho disse-lhe: “Sabes, Hélia, também vamos ter no Periplus o Epitáfio de Seikilos”. A sua completamente inesperada resposta deixou-me de boca aberta. Sem qualquer comentário, começou a cantar em Grego antigo: “Ὅσον ζῇς φαίνου | μηδὲν ὅλως σὺ λυποῦ· | πρὸς ὀλίγον ἔστι τὸ ζῆν· | τὸ τέλος ὁ χρόνος ἀπαιτεῖ.” (Deixa brilhar a tua vida enquanto dura; não te entregues de nenhum modo à tristeza; a vida é curta e o tempo cobra o que lhe é devido). Foi uma reacção que eu só esperaria vir de um entre mil músicos gregos: os outros não conheceriam esta canção (!) a mais antiga encontrada completa, datada ca. séc. I (algures entre 200 AEC e um pouco depois de 200 EC). Mais tarde, disse à Amélia: “O Seikilos tem de ser cantado pela Hélia!” E de facto ela cantou-o maravilhosamente!

A Amélia encontrou-me na Net em 2009 graças ao meu trabalho baseado na poesia de Ares Alexandrou, Το Χρυσάφι τ’ Ουρανού, editado em Portugal em livro-cd O Ouro do Céu / Ares Alexandrou por Michales Loukovikas. Desapontado com a desatenção e não valorização com que o meu trabalho foi recebido na Grécia, tinha decidido não compor mais nada. A Amélia esforçou-se bastante para me convencer do contrário. Depois de repetidos falhanços teve uma ideia brilhante: fez um poema e compôs uma primeira parte pedindo-me para lhe dar seguimento. Não podia continuar dizer não; seria ingrato da minha parte. ● Quando ouvi o que ela compôs fiquei impressionado pela semelhança com o Epitáfio de Seikilos, que a Amélia, é claro, desconhecia. Assim, quando fiz o arranjo do “Canto em Periplus”, utilizei a composição do Seikilos como introdução (“Deixa brilhar”), bem como uma citação dentro do canto, adaptada para português por Hélia Correia: Ó mortal, deixa brilhar, | a luz da vida no teu rosto; | que a morte vai cobrar imposto | e a todos abate, sem dó por igual.

6. Seikilos | Adaptação para português: H. Correia; arranjo: M. Loukovikas
7. Amélia Muge | Amélia Muge e Michales Loukovikas | Arranjo: M. Loukovikas

D. DAS ILHAS
8. Παράνομο σημείωμα | Nota ilegal
9. Calma / Ἰθάκη | Ítaca

Ares Alexandrou, Constantine Cavafy, Fernando Pessoa

O Ouro do Céu, nosso ponto de encontro, está em destaque no Periplus com três temas arranjados desta vez por Filipe Raposo, para que houvesse um outro tipo de abordagem às minhas composições. Recordo-me como se fosse ontem como fiquei deliciado quando ouvi pela primeira vez a Nota ilegal, adaptada e cantada para português pela Amélia. “Compus um fado!”, fantasiei sorrindo, enquanto assobiava a minha composição com as ornamentações vocais feitas por ela…

Se “Nota ilegal” é uma ilha-pesadelo de exílio, “Calma”, de Fernando Pessoa, composta por Amélia, é uma ilha de sonho, onde inserimos um excerto do poema “Ítaca” de Constantine Cavafy. Há uma probabilidade dos dois grandes poetas se terem encontrado num barco que se dirigia para Londres e que continuaria depois para os Estados Unidos, mesmo antes da Grande Depressão de 1929.

8. Ares Alexandrou | Michales Loukovikas | Adaptação para português: A. Muge; arranjo: F. Raposo
9. Fernando Pessoa e Constantine Cavafy | Amélia Muge | Arranjo: F. Raposo

E. DAS VOZES
10. Cântico do país emerso
11. Palavra dada

Esta composição de Amélia para o poema (excerto) de Natália Correia, estava para ser, quando fiz o seu arranjo, a primeira do Periplus (mais tarde escolhemos “Uma pena que me coube” para uma abertura mais “calma”). Optei por começar com um tributo à colaboração entre Carlos Paredes e Charlie Haden, propondo uma improvisação entre o contrabaixo de Kostas Theodorou e a guitarra portuguesa de Ricardo Parreira com o piano de Filipe Raposo. Além disso, quando Amélia me mostrou a melodia num teclado, encontrei semelhanças com o primeiro Hino délfico feito provavelmente por Ateneu em 138 AEC. Assim, entre os versos de Natália, juntei três Interlúdios, adaptando este hino (no I e III) e a canção “Não sou daqui” de Amélia (no II), do seu álbum homónimo (que considero a sua obra-prima). A utilização deste tema surgiu porque as palavras do seu título são iguais às primeiras palavras do excerto do Cântico de Natália.

“Palavra dada”, a mais complicada em termos de arranjo e edição de todo o Periplus, começa pelo fascínio e interacção da Amélia com um Syrtós cretense. A origem desta dança levou-me a um músico heleno da antiguidade, Mesomedes de Creta (séc. II) e ao seu Ὕμνος εἰς Νέμεσιν (Hino a Némesis), a deusa que exerce represálias contra os que são arrogantes (húbris [ὕβρις]: arrogância perante os deuses). Começando com o ritmo original de 15 tempos, muda-se a meio para os 4 tempos do Syrtos, adoptando a versão adaptada por Ross Daly, combinando-a com as Pragas algarvias. À medida que a música cresce, com o violino de Kyriakos Gouventas, passamos para a tradicional portuguesa Cantiga de rega; quando regressamos a Creta, o finale é apimentado com mais pragas ditas por Teresa Muge (irmã de Amélia) e Margarida Guerreiro.

10. Natália Correia | Amélia Muge | Arranjo: M. Loukovikas > Ateneu (Interlúdios I e III); Amélia Muge (Interlúdio II)
11. Mesomedes (Némesis); Tradicional de Creta (Syrtós, adaptação: R. Daly); Tradicional portuguesa e Amélia Muge (Cantiga de rega); Amélia Muge (Pragas) | Arranjo: M. Loukovikas e A. Muge

F. DOS EMBALOS
12. Νανούρισμα | Canção de embalar
13. Dorme, dorme

Noite estrelada, de Vincent Van Gogh

Outra canção no Periplus com poesia de Ares Alexandrou é a “Canção de embalar”, adaptada para português por Amélia. Na sua forma original (O Ouro do Céu), está dividida em seis partes, à semelhança de um sonho. Na versão do Periplus ouvimos a primeira parte da canção antecedida por excertos de canções tradicionais de embalar e lenga-lengas.

Em ligação com o tema anterior está uma tocante canção de embalar composta por Amélia e arranjada por José Martins e Filipe Raposo. Este “embalo” é cantado a uma menina e não a um menino, como é usual nas canções de embalar tradicionais.

12. Ares Alexandrou | Michales Loukovikas | Αdaptação para português: A. Muge; arranjo: F. Raposo (introdução: A. Muge e M. Loukovikas)
13. Amélia Muge | Arranjo: J. Martins e F. Raposo

G. DOS AMORES
14. Της τριανταφυλλιάς τα φύλλα | A folha da rosa
15. Da folhinha de uma rosa

Uma rosa em Mi sustenido, de Ernie Benton

Quando lhe enviei esta tradicional canção de amor da Ásia Menor e Esmirna, a Amélia reconheceu, espantada, que o poema era idêntico ao de uma canção tradicional galega que tinha gravado anteriormente com o ensemble de Vigo, Camerata Meiga. Não podemos ter a certeza se alguns gregos e iberos tiveram a mesma ideia (“vou vestir-me com a folha [pétala] de uma rosa”), ou se foi uma ideia que viajou de um lugar para o outro. Em Periplus, convidei Ziad Rajab, um músico amigo Sírio-Palestiniano, para tocar o oud. Cantei a primeira parte do tema em grego, enquanto o resto foi adaptado e cantado por Amélia em português.

Aqui a canção da Ásia Menor ecoa na Galiza através de uma “ponte” em Guimarães. Esta “ponte” é uma versão simplificada da canção grega (o ritmo de 9 tempos de uma dança de pares – antikrystós – passa para um ritmo de 4 tempos) adaptada por Amélia para o Outra Voz, um coro local com quem tivemos uma intensa e especial colaboração. Ainda lembro a minha enorme emoção quando os ouvi pela primeira vez cantando esta adaptação, que o grupo acabou por adoptar como parte do seu repertório. Quando se entra na canção galega, juntam-se outras vozes convidadas e a canção termina num improviso onde no fim se entrecruzam novamente os dois temas tradicionais do Ocidente e do Oriente.

14. Tradicional, versão da Asia Menor e de Esmirna | Adaptação para português: A. Muge; arranjo: M. Loukovikas
15. Tradicional grega e galaico-portuguesa | Adaptação musical e poética em português: A. Muge; arranjo: F. Raposo

H. DA ALMA | DE PROFUNDIS
16. Se o lamento apenas fosse
17. Τα ἔνδον ῥήματα | Os meus ditames

Um emocionante e pungente lamento composto por Amélia começando no Épiro, com uma dupla improvisão à moda tradicional feita ao clarino por Manos Achalinotópoulos. Criou-se sobre esta sonoridade a atmosfera da tragédia grega, com o coro da Outra Voz (arranjo de José Martins e Filipe Raposo), usando basicamente o ritmo de um solene zeibékiko. É de facto incrível ela conseguir compor para este peculiar ritmo de 9 tempos logo que se familiarizou com ele, pela sua proximidade à cultura helénica.

“Sejas amigo ou inimigo não o reveles em parte alguma. | Aqui me encontro prisioneiro obedecendo aos meus próprios ditames.” Ares Alexandrou usou este couplet como nota de rodapé (este é o seu título original) ou como post scriptum no seu último livro de poesia, parafraseando Simónides, que compôs para os espartanos caídos na batalha das Termópilas o famoso epitáfio-epigrama: “Ó, estrangeiro, vai dizer aos Lacedemónios que nós aqui | jazemos em obediência aos seus ditames”. No Periplus, a nota de rodapé de Ares tem, musicalmente, um ostinato menor que no meu original (O Ouro do Céu), mas Amélia cria o contraste com as suas vocalizações soando como as das Erínias, estendendo o trágico elemento do “Lamento” a “Os Meus ditames” que adapta e recita em português.

16. Amélia Muge | Arranjo: J. Martins e F. Raposo
17. Ares Alexandrou | Michales Loukovikas | Adaptação para português: A. Muge; arranjo: F. Raposo

I. DAS TASCAS E TAVERNAS
18. Um qualquer quê
19. Abertura da taverna
20. Τα μαγκάκια τής ταβέρνας | Os mangas da taverna

O Fado, de José Malhoa (1910)

Esta sequência acontece como se fosse uma gravação ao vivo da transformação do ambiente de uma tasca de fado no de uma taverna de rebético. É a realização de uma nossa ideia fixa para uma cena fantástica algures numa taverna de um porto durante um tempestuoso mau tempo, e onde as tripulações dos navios imobilizados se reúnem cantando cada uma delas as suas canções até que acontece começarem a cantar em conjunto. Tentámos dar vida a esta cena começando com uma canção de amor da Amélia evocando o fado. Segue-se depois uma necessária “ponte” com um instrumental de cortar a respiração ligando um improviso de fado e rebético com Ricardo Parreira (guitarra portuguesa) e Dimitris Mystakidis (bouzouki), que nos leva ao rebético finale.

Panaiotes Tountas, que se afirma como compositor deste rebético, chamou-lhe “Menor da taverna (Vlamáquia)” (diminutivo de vlames, um sinónimo de mangas). Indirectamente, Tountas refere-se claramente ao instrumental “Menor do tekke” que Iohannes Chalkiás (ou Jack Gregory) gravou nos EUA com um longo e fantástico taqsim (improvisação) no começo. Por isso a melodia parece ser tradicional. Existem várias teorias sobre a etimologia de vlames e mangas. Escolhemos como título “Os mangas da taverna” porque a palavra pode ter vindo do ibérico manga, lembrando que os antigos manges gregos costumavam vestir apenas uma manga do seu casaco. Uma boa combinação com a canção tradicional portuguesa “A mangar” cantada pelos manganões, parecidos com os manges gregos.

Panaiotes Tountas

A sessão de gravação em Lisboa da “Entrada na taverna” é algo que nunca esquecerei. Expliquei ao Ricardo e ao Pedro Pinhal (viola), que deviam tocar criando “ondas”, deixando espaços “abertos”, para o Dimitris, que gravaria mais tarde em Salónica. Por fim fi-los escutar o taqsim de Chalkiás, como fonte de inspiração. O resultado foi magia pura – um dos melhores solos de fado que alguma vez ouvi – ainda por cima em diálogo com um bouzouki! Quando regressei a Salónica, Dimitris juntou-se na perfeição ao duo português. Finalmente transferi o trio para… a taverna do porto de forma a pudermos ouvi-los tocar em conjunto! Esta é a magia chamada edição…

18. Amélia Muge | Arranjo: F. Raposo
19. Improviso instrumental de fado e de rebético por Ricardo Parreira e Dimitris Mystakidis | Arranjo: M. Loukovikas
20. Panaiotis Tountas | Rebético tradicional | Arranjo: M. Loukovikas

J. TÃO LONGE, TÃO PERTO
21. Dolor, ai dolor
22. Το βλέμμα σου πού να τελειώνει; | O teu olhar onde acaba? (Versão grega )
23. O teu olhar onde acaba? | Το βλέμμα σου πού να τελειώνει; (Versão portuguesa)
24. Zum zum

As primeiras três partes da sequência final são de facto uma única e longa canção. Na altura em que Amélia tentava em vão que eu voltasse a compor, mandou-me este poema. Passaram-se meses até que numa noite tive um sonho onde tinha rearranjado a sua canção “Arena” (Não sou daqui) como se fosse um rebético! Enfim, tive de passar horas ao piano para chegar à conclusão que o que se passa num sonho não quer necessariamente dizer que possa acontecer na vida real. No entanto o meu tempo não foi gasto em vão. Gradualmente fui deixando para trás a “Arena”, improvisando num outro aliciante modo musical! Felizmente, gravei este improviso e mandei-o para a Amélia, que por sua vez adaptou o seu poema à minha melodia e musicou a sua versão original (“Dolor, ai, Dolor”). Do meu lado, adaptei o seu poema para grego e convidei Eleni Tsaligopoulou para cantar a versão grega; convidei também Zoe Tiganouria para tocar acordeão. No fim da versão portuguesa Eleni e Amélia cantam “Dolor” em conjunto! Na opinião do compositor e pianista grego, Giorgos Andreou: “Um momento de excepção do ponto de vista emocional (e que considero ser o climax do CD) é a interpretação paralela da canção ‘O teu olhar onde acaba?’ por Eleni Tsaligopoulou em grego e Amélia Muge em português.”

Embora seja um tema composto por Amélia e a mim dedicado como prenda de aniversário, “Zum zum” é mais do que isso. Evoca “Run run se fué pa’l norte” de Violeta Parra, como uma espécie de tributo ao seu trabalho enraizado na canção tradicional chilena, exprimindo a vida e os problemas do seu povo. Zum zum significa em português uma espécie de rumor, passando de boca em boca, de uma pessoa para outra. Acorda, diz, porque “Todas as flores do campo / Todas as aves do céu / Todos os peixes do mar / Vieram à tua porta / P’ra te saudar / P’ra te cantar / Que há um zum zum / Que vem do sul”… É uma espécie de canção ibérico-latino-americana, que se liga com a melodia de “O teu olhar onde acaba?” – usada aqui como introdução. O ritmo de 9 tempos no fim da canção anuncia a chegada do Zum zum à Grécia – algo que também é validado pelas… cigarras!

Anel de prata com uma cigarra em latão, inspirado num antigo anel grego (séc. V AEC)

● Eu e Amélia estávamos em Escópelos, Grécia, de férias. Fomos um dia para uma praia cheia de gente e por isso sentámo-nos à sombra, debaixo de uma árvore, perto do bar da praia. Um altifante, instalado num ramo, tocava sobre as nossas cabeças. “Elas estão a tempo”, disse Amélia. Perante a minha perplexidade, explicou: “As cigarras ‘cantam’ a tempo, não saem do ritmo!” “Nem pensar!”, respondi. Mas rapidamente admiti que ela tinha razão! De facto elas seguiam muito facilmente o ritmo das canções pop. Tinham algum problema em acertar quando o ritmo mudava para alguma canção brasileira mas depressa se adaptavam… Eu estava fascinado! ● De volta a Lisboa tive uma ideia completamente louca enquanto trabalhava no “Zum zum”. Procurei sons de cigarra na net, mas o que encontrei foram “coros” de cigarras. Procurei então por cicadas, cigales, cigalas, mas continuava a não encontrar o que procurava – até que experimentei pela palavra grega τζιτζίκια: apareceu uma enorme abundância de sons e entre eles de cigarras solitárias (o que eu estava à procura), para que pudessem ser “amestradas” (através da “magia da edição”) para “‘cantar’ em conjunto” com o coro, mantendo os ritmos do “Zum zum”! Quando acabei, convidei a Amélia e o José Martins para escutarem o coro das minhas cigarras especialmente “amestradas”. O que nos rimos! É o significado da frase “amostras de cigarras gregas amestradas” mencionada no livrinho do Periplus em referência a mais esta minha contribuição para o trabalho. ● E as cigarras não apareceram apenas no CD: no fim dos nossos concertos do Periplus, a audiência saía dos teatros ouvindo as τζιτζίκια gregas!

21. Amélia Muge | Arranjo: M. Loukovikas
22. Amélia Muge | Michales Loukovikas | Adaptação para grego e arranjo: M. Loukovikas
23. Amélia Muge | Michales Loukovikas – e Amélia Muge (finale) | Adaptação para grego e arranjo: M. Loukovikas
24. Amélia Muge | Amélia Muge – e Michales Loukovikas (introdução) | Arranjo: J. Martins e M. Loukovikas

● Ver também: MARIA DO ROSÁRIO PESTANA sobre “PERIPLUS” | GIORGOS ANDREOU sobre “PERIPLUS”

Periplus, edição internacional

TROUPE MUSICAL do PERIPLUS: Amélia Muge: voz, guitarra braguesa, coros, fala, sons de ambiente. | Michales Loukovikas: voz, coros, fala, amostras de vozes e sons, estalos, percussão, acordeão, palmas.
António Quintino: contrabaixo. | Filipe Raposo: piano, teclados, acordeão. | Harris Lambrakis: ney (flauta oriental), flauta de bisel. | José Martins: percussão, kalimba, sintetizador, sons, palmas. | José Salgueiro: percussão, palmas. | Kyriakos Gouventas: violin, viola, bandolim. | Manos Achalinotopoulos: clarino (clarinete folk), voz, coros. | Ricardo Parreira: guitarra portuguesa.

CONVIDADOS ESPECIAIS: Hélia Correia, escritora: voz. | Eleni Tsaligopoulou, cantora: lengalengas, risos, coros, voz. | Outra Voz, coro dos cidadãos de Guimarães: sons de água, de vento, de mar, de ambiente, coros, lengalengas, respirações, falas.

As damas do rebético, de A. Tassos (1970)

MARIA DO ROSÁRIO PESTANA sobre “ARCHiPELAGOS”

Posted by michales loukovikas on 2020/06/09

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MARIA DO ROSÁRIO PESTANA sobre “ARCHiPELAGOS”

/ENGLISH/ MARIA DO ROSÁRIO PESTANA on ARCHiPELAGOS

Archipelagos – de Amélia Muge e Michales Loukovikas

Um projecto musical de relacionalidade e convivialidade

Maria do Rosário Pestana, Universidade de Aveiro

Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança

Cinco anos depois de PERIPLUS deambulações luso-gregas, Amélia Muge e Michales Loukovikas apresentam um novo projeto artístico intitulado ARCHiPELAGOS Passagens. Partem do território comum que ambos construíram em 2012 com Periplus, desde logo, ao proporem uma experiência musical assente na prática cognitiva da viagem, que desconstrói a referência ao mundo, ou seja, às visões unitárias da música local/nacional. Durante os quatro anos que medeiam os dois projetos artísticos, Amélia Muge e Michales Loukovikas desenvolveram uma extensa investigação na música, na canção, na poesia, percorrendo pontes de coexistência, de conexão entre pessoas, de alteridade, de pertencimento e de identificação pela música que os levaram a outras cartografias fora das fronteiras territoriais e étnicas que definem os espaços hegemónicos contemporâneos. Assim, nos termos da música e da poesia, Archipelagos compromete a nossa experiência com evocações de diferentes geografias, domínios linguísticos e subjetividades, num possível novo humanismo.

O sentido do termo Archipelagos é ambivalente: por um lado, remete-nos para a ideia de “mar primordial”, grande mar ou mar fundador, do étimo Arkhi-Pelagos, um espaço líquido (por isso descentrado), flutuante, de travessia e imersão; por outro lado, refere o conjunto de sequências temporais, musicais (as faixas sonoras do CD), entendidas pelos músicos tanto como “ilhas” na relação entre si, como também outros arquipélagos.

O processo criativo parte frequentemente de um conceito. Arquipélago é um desses conceitos nucleares, patente na escolha dos versos de A Terceira Miséria de Hélia Correia, de O Arquipélago de Johann Hölderlin e nas referências musicais às ilhas da Macaronésia; utopia é outro conceito central que os compositores exploram a partir de Thomas More, dialogando com A Caixa de Ares Alexandrou, com Os Meninos Perdidos de James Matthew Barrie ou com a Utopia de Zeca Afonso. O diálogo criativo estende-se às vivências e às memórias de um e de outro compositor, aos poetas e músicos que definem a sua humanidade. Essas vivências e memórias referem-se a pessoas, a vidas sociais, a outros indivíduos. Assim, trazem para este arquipélago The Hours de Fernando Pessoa, Ondas do mar de Vigo de Martín Códax, Cantar da emigração de Rosalía de Castro e José Niza, o Hino a Nikkal encontrado em Ugarit, na Síria, os poemas de Safo, ou géneros musicais como o rebético grego. Estas presenças múltiplas ligam o passado remoto ao presente, o longe ao perto, os músicos a cada um de nós ouvintes. E em cada nova sequência, ou faixa, os músicos percorrem novas ‘passagens’ através de diferentes recursos composicionais como a citação de Acordai de Fernando Lopes-Graça e José Gomes Ferreira, ou de Rema, rema lanchinha popular dos Açores, entre tantas outras, o recurso à retórica musical como acontece na mimetização das ondas do mar pelo coro composto pelo Cramol, Maria Monda e Teresa Campos, a recitação poética, a distensão do ritmo da bulería, etc. Musicalmente este espaço é construído por um manancial de referências a paisagens sonoras, canções, instrumentos musicais, sonoridades, que desafiam a perceção e o conhecimento de cada um dos ouvintes. Estas referências são feitas de “passagem” e são postas em conexão ao longo de um processo criativo em que os dois músicos participam. Parafraseando Deleuze e Guatarri em Mil Planaltos, este projecto artístico é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, invertível, tem entradas múltiplas e pode ser percebido como uma obra de arte e como uma mediação, mas também como uma ação política, uma dimensão que irei explorar adiante.

PERIPLUS deambulações luso-gregas

Em Archipelagos, percebe-se a intenção de criar um espaço ambivalente (líquido e sólido), com múltiplos e mutantes centros, onde os músicos reagregam memórias. O arquipélago foi a metáfora escolhida pelos músicos para representar uma visão-de-mundo, o projeto (materializado no CD) e o processo de criação dos dois indivíduos músicos. Neste sentido, podemos dizer que é um conceito fundador e nuclear, como referi atrás, ao mesmo tempo que é uma metodologia de trabalho criativo que permitiu aos dois músicos construir um espaço de ação horizontal inter-individual, ou seja, inter-subjetivo.

Amélia Muge refere-se a esse processo de construção de um território de conexão que é simultaneamente de partilha e de definição da expressão individual:

Nós criámos um território comum, aquilo que era o desconhecimento do outro. No início fazíamos tudo juntos, eu ia buscar uma frase dele e juntava com ele, era tudo em conjunto. [Neste novo projeto começámos por questionar] o que é isto de continuar a fazer um trabalho com um Outro com o qual já temos um terreno comum? Curiosamente, levou a que cada um de nós percebesse que precisava de mais espaço para si. Espaço para compreender que nos tínhamos transformado com esta experiência, que tínhamos adquirido coisas. A reação, a sensibilidade que tínhamos em relação à cultura do outro também já era diferente. Eu neste vou cantar em grego antigo uma composição de Michales para fragmentos de poemas de Safo. E, curiosamente, ele diz: “A Amélia é melhor do que eu a cantar em grego antigo!”

Criado este território comum, os compositores convidaram músicos para dar som a Archipelagos. São músicos de diferentes partes do globo cujos percursos se cruzaram em projetos e vivências anteriores de Amélia Muge e Michales Loukovikas e que agora criam novas interdependências, compromissos, conexões. Devo referir que reunir os músicos e concretizar o projecto em estúdio de gravação implicou da parte de Amélia Muge um desdobramento a solicitar apoios e fundos parcelares a diferentes instituições públicas e privadas.

Amélia Muge e Michales Loukovikas com António Quintino contrabaixo, Catarina Anacleto violoncelo, José Salgueiro percussão, Manuel Maio violino e bandolim, Miguel Tapadas piano, Nikos Paraoulakis ney (flauta oriental) e flauta de bisel, apresentando Periplus no Festival Músicas do Mundo, Sines.

Atrás sustentei que este projeto pode ser percebido como uma ação política. Desde 2012, com Periplus que Amélia Muge e Michales Loukovikas definem um espaço crítico de produção artística, resistente às produções culturais de massa homogeneizantes, às geopolíticas do conhecimento e aos seus discursos dominantes. Na verdade, como referi noutro lugar, o acolhimento que Periplus teve por parte do público, tendo sido um assunto introduzido num congresso sobre a transposição das fronteiras do conhecimento, ilustra a possibilidade do poder criador e de participação dos indivíduos músicos na construção de um Outro conhecimento, um conhecimento sensível aberto ao diálogo, à partilha, assente no valor da alteridade, na ética do respeito pelo outro. Partindo de outro mapa conceptual, Amélia Muge e Michales Loukovikas criam agora, em Archipelagos, um espaço sónico multicêntrico de relacionalidade e convivialidade musical, social, entre indivíduos, aberto a múltiplas focalizações.

Outubro de 2017
Maria do Rosário Pestana
etnomusicóloga

● Ver também: MARIA DO ROSÁRIO PESTANA sobre “PERIPLUS”
● Assim como: MARIA GRACIETE BESSE sobre “ARCHiPELAGOS”

MARIA DO ROSÁRIO PESTANA on “ARCHiPELAGOS”

Posted by michales loukovikas on 2020/06/09

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MARIA DO ROSÁRIO PESTANA on “ARCHiPELAGOS”

/PORTUGUÊS/ MARIA DO ROSÁRIO PESTANA sobre ARCHiPELAGOS

Maria do Rosário Pestana: professor in the University of Aveiro, and researcher of the Institute of Ethnomusicology – Centre of Studies on Music and Dance. She developed ethnomusicological studies on musical associativism, processes of documentation of music of rural matrix and music of local expression. She coordinated the book SINGING IN ALENTEJO – the land, the past and the present (2017).

Archipelagos – by Amélia Muge & Michales Loukovikas

A musical project of relationality and conviviality

Maria do Rosário Pestana, University of Aveiro

Institute of Ethnomusicology – Centre of Studies on Music and Dance

Five years after PERIPLUS Luso-Hellenic Wanderings, Amélia Muge and Michales Loukovikas present a new artistic project entitled ARCHiPELAGOS Passages. They start off from the common territory that they both constructed in 2012 with Periplus, proposing right away a musical experience based on the cognitive practice of voyage, which deconstructs the reference to the world, that is, the unitary visions of local/national music. During the four years that separate the two artistic projects, Amélia Muge and Michales Loukovikas embarked on an extensive research in music, songs, poetry, crossing bridges of coexistence, of connection among people, of alterity, of belonging and identifying with the music that took them to other cartographies outside the territorial and ethnic boundaries which define contemporary hegemonic spaces. Thus, in terms of music and poetry, the CD Archipelagos commits our experience to evocations from different geographies, linguistic domains and subjectivity, in a possible new humanism.

The meaning of the term Archipelagos is ambivalent: on the one hand, it leads us to the idea of “primordial sea”, grand sea or founder sea, from the etymon Arkhi-Pelagos, a liquid space (therefore off-centre), floating, to cross and immerse; on the other hand, it refers to the set of temporal, musical sequences (the CD tracks), regarded by the musicians as both “islands” in the relationship among themselves, as well as other archipelagos.

The creative process often starts off from a concept. Archipelago is one of those nuclear concepts, evident in the choice of verses from Hélia Correia’s The Third Misery, Johann Hölderlin’s The Archipelago and in the musical references to the Macaronesian islands; utopia is another central concept that the composers explore with Thomas More as a starting point, engaging in a dialogue with Ares Alexandrou’s Mission Box, with James Matthew Barrie’s Lost Kids, or with Zeca Afonso’s Utopia. The creative dialogue extends to the experiences and memories of each one of the composers, to the poets and musicians that define their humanity. These experiences and memories refer to people, to social lives, to other individuals. Thus, they bring to this archipelago Fernando Pessoa’s The Hours, Martín Códax’s Waves of the Sea of Vigo, Rosalía de Castro and José Niza’s Singing of Emigration, the Hymn to Nikkal found in Ugarit, in Syria, Sappho’s poems, or musical genres such as the Greek rebetiko. These multiple presences connect the remote past with the present, the distant with the near, the musicians with each of us listeners. And in each new sequence, or track, the musicians cross new ‘passages’ through different compositional resources such as the quotation from Fernando Lopes-Graça and José Gomes Ferreira’s Acordai, or from the Azorian popular song Rema, rema lanchinha (Row in a row, rowing boat), among many others, the recourse to musical rhetoric as it occurs in the mimicry of sea waves by the choir constituted of Cramol, Maria Monda and Teresa Campos, the poetic recitation, the distension of the rhythm of the bulería, etc. Musically, this space is constructed by a wealth of references to soundscapes, songs, musical instruments, sonorities, which challenge the perception and knowledge of each one of the listeners. These references are made in “passing” and are posted in connection along a creative process in which the two musicians participate. To paraphrase Deleuze and Guatarri in A Thousand Plateaus, this artistic project is connectable in all its dimensions, demountable, invertible, has multiple entries and can be perceived as a work of art and as a mediation, but also as a political act, a dimension that I will shortly explore.

PERIPLUS Luso-Hellenic Wanderings

In Archipelagos, there is an intention to create an ambivalent space (liquid and solid), with multiple and mutating centres, where the musicians reassemble memories. The archipelago has been the metaphor chosen by the musicians to represent a worldview, the project (materialized on the CD) and the creation process of the two individual musicians. In this sense, we can say that it is a founding and nuclear concept, as I mentioned before, at the same time that it is a methodology of creative work that allowed the two musicians to construct a space of horizontal inter-individual action, that is, inter-subjective.

Amélia Muge refers to this process of constructing a connecting territory that is simultaneously of sharing and of defining individual expression:

We have created a common territory out of what was the ignorance of the other. In the beginning we did everything together. I would get a phrase of his and we would conclude it together, everything was done in common. [In this new project we started off asking] why should we continue working with an Other with whom we have already a common ground? Curiously, we both realized that we needed more space for each one of us. Space to understand that we had been transformed through this experience, that we had achieved something. The reaction, the sensitivity we had towards the other’s culture was also different. I am going to sing in ancient Greek a composition by Michales on fragments of Sappho’s poems. And, curiously, he says: “Amelia is better than me in singing in ancient Greek!”

Having created this common territory, the composers invited musicians to give sound to the Archipelagos. They are musicians from different parts of the globe whose paths have crossed in previous projects and performances of Amélia Muge and Michales Loukovikas and who are now creating new inter-dependencies, commitments, connections. I need to say that bringing together the musicians and carrying out the project in a recording studio implied on Amélia Muge’s part a parallel task of soliciting several public and private institutions for sponsorship contributing funds.

Amélia Muge and Michales Loukovikas with Catarina Anacleto cello, Manuel Maio violin and mandolin, Nikos Paraoulakis ney and recorder, António Quintino double bass, José Salgueiro percussion, Miguel Tapadas piano, presenting Periplus at the Festival Músicas do Mundo, Sines.

Previously, I maintained that this project can be seen as a political act. Since 2012, with Periplus, Amélia Muge and Michales Loukovikas have defined a critical space of artistic production, resistant to homogenizing productions of mass culture, the geopolitics of knowledge and its dominant discourses. In fact, as I mentioned elsewhere, the acceptance that Periplus enjoyed by the public, being a subject-matter introduced in a congress on broadening the frontiers of knowledge, illustrates the possibility of the creative power and participation of individual musicians in the construction of Another knowledge, a sensitive knowledge open to dialogue, to sharing, based on the value of alterity, on the ethics of respect for the other. Starting off from another conceptual map, Amélia Muge and Michales Loukovikas now, in Archipelagos, create a multicentric sonic space of relationality and musical, social conviviality, between individuals, open to multiple focalizations.

October of 2017
Maria do Rosário Pestana
ethnomusicologist

MARIA DO ROSÁRIO PESTANA sobre “PERIPLUS”

Posted by michales loukovikas on 2020/06/04

Posted in: Reflections on our work. Tagged: Amélia Muge, André Maia, António Quintino, Ares Alexandrou, Bertrand Westphal, Bruno Nettl, Catarina Anacleto, Centro Cultural Vila Flor, Cornelius Castoriadis, Creta, Cristiana Serejo, Cristina Benedita, Culturgest, Dimitris Mystakidis, Eduardo Salgueiro, Eleni Tsaligopoulou, Epiro, Epitáfio de Seikilos, Escala pentatônica, Etnomusicologia, Festival Músicas do Mundo, Filipe Raposo, Francisco e Sofia Van Epps, Geocrítica, Geopoética, Harris Lambrakis, Hélia Correia, ILCML, Irene Bakalopoulou, José Barros, José Manuel David, José Martins, José Salgueiro, Kostas Theodorou, Kyriakos Gouventas, Literatura Comparada, Manos Achalinotopoulos, Margarida Guerreiro, Maria do Rosário Pestana, Mariana Abrunheiro, Mediterrâneo, Michales Loukovikas, Nemesis, Neoliberalismo, Outra Voz, Périplo, Pedro Pinhal, Periplus, Ricardo Parreira, Rui Vaz, Syrtos, Teresa Muge, Universidade de Aveiro, Universidade do Porto, Zeca Afonso, Ziad Rajab, Zoe Tiganouria. Leave a comment

MARIA DO ROSÁRIO PESTANA sobre “PERIPLUS”

/ENGLISH/ MARIA DO ROSÁRIO PESTANA on PERIPLUS

Maria do Rosário Pestana: Este texto foi lido no Colóquio Internacional “Espaços Literários e Territórios Críticos. Para
uma abordagem do espaço literário: geopoética e geocrítica
na transposição das fronteiras do conhecimento”, realizado
na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, entre 29
de junho e 1 de julho de 2017. Agradeço à Organização do Colóquio – Instituto de Literatura Comparada Margarida
Losa (ILCML) – o convite para participar no evento.

Música e interlocução

“Tão longe, tão perto:

PERIPLUS –

deambulações
luso-gregas”

de Amélia Muge e Michales Loukovikas

Maria do Rosário Pestana

Universidade de Aveiro

Instituto de Etnomusicologia

– Centro de Estudos
em Música e Dança

Periplus, edição portuguesa

O projeto musical Periplus / deambulações luso-gregas foi concebido por dois músicos do sul da Europa: Amélia Muge, cantora, compositora, instrumentista, e autora de inúmeras letras, uma referência da música portuguesa desde os anos 90 do século passado; e Michales Loukovikas músico, compositor, produtor de rádio e jornalista grego. Este trabalho artístico, materializado num belíssimo fonograma, foi apresentado ao público português em 2012, nos palcos da Culturgest, do Centro Cultural Vila Flor ou do Festival Músicas do Mundo.

Periplus é um projeto exemplar do papel das artes, e da música em particular, em 2012 e no século XXI: surge num contexto cultural pautado por “valores” neoliberais, valores esses que segundo Castoriadis orientam os seres humanos “dans un mode de socialisation où coopération et communauté ne sont considérées et n’existent que sous le point de vue instrumental et utilitaire” (Castoriadis 1979, 36);(*) e no ponto alto da crise económica e financeira que assolou e fraturou a Europa em norte e sul e relegou para a periferia dos assuntos a vida social e os indivíduos.

(*) Castoriadis, Cornelius (1979), Transformation sociale et création culturelle. Sociologie et sociétés. 111: 33–48.

Proposta para um novo dracma com Castoriadis no centro (e Sócrates no fundo à esquerda )
– só se os políticos gregos os tivessem no seu lugar e não fossem eunucos…

O acolhimento que teve por parte do público – sendo agora um conteúdo introduzido pelos organizadores deste congresso sobre geopoética e geocrítica na transposição das fronteiras do conhecimento – ilustra a possibilidade do poder criador e de participação dos indivíduos músicos na construção de um Outro conhecimento, um conhecimento sensível aberto ao diálogo, à partilha, assente no valor da alteridade, na ética do respeito pelo outro.

Periplus faz-nos imergir numa história de circum-navegação, num espaço recortado pelos mares do Mediterrâneo, do Índico, do Atlântico, atravessando territórios de memórias de viagem e também de dominação. No contexto social e político que referi, este périplo introduz um novo assunto a propósito de Portugal e da Grécia – a partilha ancestral de músicas e de conhecimentos – e propõe um novo lugar de enunciação, dando visibilidade a outra geografia relacional: o Mediterrâneo. Na verdade, a costa e o mar Mediterrâneo estão no centro da música – nos navios que o atravessaram, que dele partiram e a ele regressaram – um perímetro de comunicação e de vida social que rompe com as fronteiras territoriais e étnicas que definem os estados-nação, revelando uma outra cartografia da coexistência, da conexão entre pessoas, do pertencimento e da identificação pela música. Aliás, este projeto documenta a sustentação do etnomusicólogo Bruno Nettl de que a música expressa e interpreta relações entre pessoas, entre culturas e entre sociedades, independentemente das barreiras que as separam.

Pausa, de C. Guedez

Os músicos Amélia Muge e Michales Loukovikas começaram o projeto nas redes da Internet num processo de descoberta mútua, o qual passou pela revelação e partilha de canções e poesias de um e outro lado da Europa. A constatação da proximidade e o compromisso intersubjetivo deu-se imediatamente nos primeiros contactos. Michales Loukovikas diz que começaram a trocar e a pesquisar canções e poesias das tradições lusitana e helénica, portuguesa e grega, do passado e do presente. No documentário que podemos ver e ouvir neste site, Amélia Muge referiu: “o que me impressionou muito foi o trabalho [O Ouro do Céu] baseado na poesia do grego Ares Alexandrou: uma poesia imediatamente ligada ao espaço e ao lugar, feita uma parte durante o fim da 2ª guerra mundial, nos campos de concentração da Líbia e uma segunda parte nas ilhas do exílio”. O espaço, a viagem, mas também o tempo, começaram a desenhar a visão de mundo que une estes dois indivíduos músicos e que culminaria em Periplus.

Periplus, edição internacional

Atrás referi que este projeto é exemplar. Defendo que é exemplar na medida em que proporciona uma experiência assente numa prática cognitiva de viagem, que abre uma possibilidade em rutura com o paradigma do mundo atual, desconstruindo criticamente tanto as visões unitárias da música local/nacional – a referência ao mundo – como as visões relativistas ‘pós-modernas’ que indiferenciam as produções musicais e culturais.

Periplus espelha bem a dimensão dialogante, interlocutória e transformadora da música. Por exemplo, em “Dos Caminhos”, percorrendo as rotas da escala pentatónica, os músicos seguem trilhos em África e desenham itinerários em Epiro, num discurso musical em constante transformação. Nessa cartografia as rotas dos caminheiros são densificadas pelo cruzamento com os caminhos do tempo: o longo passado de convivialidade entre grupos, de conexão entre pessoas, de partilha e tensão de conhecimentos e valores.

A cicládica “frigideira” usada
na capa do Periplus

A ideia de transformação autónoma e crítica aparece em inúmeras metáforas musicais e visuais ao longo deste projeto, desconstruindo as conceções unitárias da música e da cultura. Essa ideia é representada também visualmente no disco, com a imagem do fundo de uma frigideira de barro onde se fazia o pão (como metáfora de um neo-humanismo?), que faz parte de um acervo arqueológico. Os círculos concêntricos, trabalhados pela designer Cristiana Serejo transformam-se adquirindo outras formas, inclusive humanas.

Em “Palavra dada” os músicos encontraram na partilha de um mesmo ritmo um ponto de partida e também uma conexão entre duas línguas e diferentes conceitos de justiça e de usos da palavra seja para punir ou salvar, para fazer crescer ou honrar: pragas algarvias, a canção da rega, o hino a Némesis (deusa que personifica o destino e também a vingança divina), a dança cretense Syrtós. Os músicos entrelaçaram estas canções – tão divergentes nos conhecimentos de mundo que veiculam – de modo crítico e autónomo, realçando a conexão de um elemento comum: a palavra. Neste sentido, podemos dizer que a prática destes músicos – a música que fazem em Periplus – define uma geopoética, na acepção de Bertrand Westphal. Considero que este conceito é nuclear do projeto artístico Periplus e que se estende a outras dimensões, sempre críticas. No depoimento que ouvimos, Michales Loukovikas descreveu a surpresa que teve ao encontrar pontos de conexão, proximidades, entre uma canção cretense e uma canção portuguesa, tendo, a partir daí, construído uma história musical dessa canção da idade média aos nossos dias.

Epitáfio de Seikilos

A ideia de pontes, de conexão estende-se a domínios da música como o da chamada música culta – do primeiro documento escrito de música de que há memória, o epitáfio de Seikilos – da música folclórica, da música de intervenção com Zeca Afonso, etc. Esse princípio aplica-se ao tempo passado/presente: também o passado não é neste projeto musical uma determinação que priva estes indivíduos músicos da liberdade de construir o seu presente e pensar o seu futuro. As tradições, os documentos históricos que testemunham as viagens cantadas e tocadas neste disco, são assumidos de modo crítico e emancipado, enunciando passo a passo um Outro passado, aberto à partilha e conexão intersubjetiva, rompendo tanto com a atomização dos indivíduos nos seus egoísmos narcisistas, como com a sua redução a massas ou a coletivos estereotipados. O projeto musical Periplus oferece a cada um de nós essa visão crítica e comprometida através de uma experiência de conexão cultural e musical, nas relações históricas, na valorização da diferença, na horizontalidade das participações e aberta a quem se dispuser a ouvir e a deixar-se mobilizar.

● Ver também: GIORGOS ANDREOU sobre “PERIPLUS”

CONVIDADOS ESPECIAIS: Eleni Tsaligopoulou, cantora: lengalengas, risos, coros, voz. | Hélia Correia, escritora: voz. | Outra Voz, coro dos cidadãos de Guimarães: sons de água, de vento, de mar, de ambiente, coros, lengalengas, respirações, falas.

La Justice et la Vengeance divine poursuivant le Crime (A Justiça e a Vingança divina [Némesis] perseguindo o Crime, de Pierre Paul Prud’hon (1808)

MARIA DO ROSÁRIO PESTANA on “PERIPLUS”

Posted by michales loukovikas on 2020/06/03

Posted in: Reflections on our work. Tagged: Algarve, Amélia Muge, André Maia, António Quintino, Ares Alexandrou, Bertrand Westphal, Bruno Nettl, Catarina Anacleto, Centro Cultural Vila Flor, Comparative literature, Cornelius Castoriadis, Crete, Cristiana Serejo, Cristina Benedita, Culturgest, Dimitris Mystakidis, Drachma, Eduardo Salgueiro, Eleni Tsaligopoulou, Epirus, Ethnomusicology, Festival Músicas do Mundo, Filipe Raposo, Francisco & Sofia Van Epps, Frying pans, Geocriticism, Guimarães, Harris Lambrakis, Hélia Correia, Hellas, ILCML, Irene Bakalopoulou, José Barros, José Manuel David, José Martins, José Salgueiro, Kostas Theodorou, Kyriakos Gouventas, Lisbon, Lusitanic, Manos Achalinotopoulos, Margarida Guerreiro, Maria do Rosário Pestana, Mariana Abrunheiro, Mediterranean, Michales Loukovikas, Nemesis, Neoliberalism, Outra Voz, Pedro Pinhal, Pentatonic scale, Periplus, Ricardo Parreira, Seikilos epitaph, Sines, Socrates, Syrtos, Teresa Muge, University of Aveiro, University of Porto, Zeca Afonso, Ziad Rajab, Zoe Tiganouria. Leave a comment

MARIA DO ROSÁRIO PESTANA on “PERIPLUS”

/PORTUGUÊS/ MARIA DO ROSÁRIO PESTANA sobre PERIPLUS

Music and Dialogue

“So Distant, so Near:

PERIPLUS

Luso-Hellenic Wanderings”

by Amélia Muge and Michales Loukovikas

Maria do Rosário Pestana

University of Aveiro

Institute of Ethnomusicology – Centre of Studies on Music and Dance

● Speech at the International Colloquium “Literary Spaces and Critical Territories. Towards an Approach to Literary Space: Geopoetics and Geocriticism on Broadening the Frontiers of Knowledge”, organized by the Institute of Comparative Literature Margarida Losa (ILCML) at the Faculty of Letters of the University of Porto (June 29 to July 1, 2017).

Periplus, the Portuguese edition

The musical project Periplus / Luso-Hellenic Wanderings was conceived by two musicians from southern Europe: Amélia Muge, singer, composer, instrumentalist and author of countless lyrics, a reference in Portuguese music since the 1990s; and Michales Loukovikas, musician, composer, radio producer and journalist in Greece. This artistic work, materialized in a most beautiful phonogram, was presented to the Portuguese public in 2012, on the stages of Culturgest (Lisbon), Centro Cultural Vila Flor (Guimarães), or Festival Músicas do Mundo (Sines).

Periplus is an exemplary project on the role of the arts, and music in particular, in 2012 and in the 21st century: it emerged in a cultural context ruled by neoliberal “values”, values that, according to Castoriadis, orient human beings “dans un mode de socialisation où coopération et communauté ne sont considérées et n’existent que sous le point de vue instrumental et utilitaire” (“in a mode of socialization where cooperation and community are considered and exist only from an instrumental and utilitarian point of view”; Castoriadis, 1979, 36);(*) and at the peak of the economic and financial crisis that devastated and fractured Europe into North and South and relegated social life and the individuals to the periphery of public affairs.

(*) Castoriadis, Cornelius (1979), Transformation sociale et création culturelle. Sociologie et sociétés. 111: 33–48.

New Drachma proposal with Castoriadis in the centre (and Socrates in the background left)
– if only Hellas had politicians with guts and not eunuchs…

The public’s reception of Periplus – being now a subject-matter introduced by the organizers of this congress on geopoetics and geocriticism on broadening the frontiers of knowledge – illustrates the possibility of the creative power and participation of individual musicians in the construction of Another knowledge, a sensitive knowledge open to dialogue, to sharing, based on the value of alterity, on the ethics of respect for the other.

Periplus makes us immerse in a history of circumnavigation, in a space delineated by the Mediterranean Sea, the Indian and Atlantic Oceans, crossing territories of memories of voyages and also of domination. In the social and political context that I mentioned, this periplus introduces a new approach regarding Portugal and Greece – the ancestral sharing of music and knowledge – and proposes a new place of enunciation, giving visibility to another relational geography: the Mediterranean. In fact, the Mediterranean Coast and Sea are at the centre of music – on the ships that crossed her, departed and returned to her – a perimeter of communication and social life that breaks with the territorial and ethnic borders which define nation-states, revealing another cartography of coexistence, of connection among people, of belonging and identifying through music. Moreover, this project documents the ethnomusicologist Bruno Nettl’s argument that music expresses and interprets relationships among people, among cultures and among societies, regardless of the barriers that separate them.

An abstract musical painting by C. Guedez

The musicians Amélia Muge and Michales Loukovikas started the project on the Internet network in a process of mutual discovery, which involved the acquaintance and sharing of songs and poetry from both sides of Europe. The verification of proximity and the intersubjective commitment took place immediately in the first contacts. As Michales Loukovikas says, they started exchanging and exploring songs and poetry of the Lusitanic and Hellenic, the Portuguese and Greek traditions, past and present. In the documentary that we can watch and listen to in the web, Amélia Muge says: “what impressed me a lot was the work [The Gold in the Sky] based on the Greek poet Ares Alexandrou’s poetry: a poetry immediately linked to space and place, done in part at the end of World War II, in [British] concentration camps in Libya, and in another part on the [Greek] islands of exile”. Space, voyage, but also time, gradually shaped the worldview that these two musicians share, culminating in Periplus.

Periplus, the international edition

I already mentioned that this project is exemplary. I argue that it is exemplary in that it provides an experience based on a cognitive practice of voyage, which opens up a possibility in contrast with the paradigm of the current world, critically deconstructing both the unitary views of local/ national music – a reference to the world – as well as the ‘postmodern’ relativistic views that undifferentiate musical and cultural productions.

Periplus mirrors well the dialogical, interlocutory and transformative dimension of music. For example, in “On Routes”, wandering on the pentatonic scale routes, the musicians follow trails in Africa and plan itineraries in Epirus, in a musical discourse in constant transformation. In this cartography the wayfarers’ routes are densified crossing the routes of time: the long past of conviviality among groups, of connection among people, of sharing and tension of knowledge and values.

The Cycladic “frying pan” used for the Periplus cover

The idea of autonomous and critical transformation appears in countless musical and visual metaphors throughout this project, deconstructing the unitary conceptions of music and culture. This idea is also represented visually on the disc, with the image of the bottom of a clay frying pan where bread was made (as a metaphor for neo-humanism?), which is part of an archaeological collection. The concentric circles, worked by the designer Cristiana Serejo, are transformed acquiring other forms, including human ones.

In “Word of Honour”, sharing the same rhythm, the musicians found a starting point and also a connection between two languages and different concepts of justice and uses of the word, to either punish or save, to grow or honour: Algarvian Anathemas, the Watering Song, the Hymn to Nemesis (the goddess who personifies destiny and also divine revenge), the Cretan dance Syrtos. The musicians intertwined these songs – so divergent in the knowledge of the world they convey – in a critical and autonomous way, enhancing the connection of a common element: the word. In this sense, we can say that the practice of these musicians – the music they made in Periplus – defined a geopoetics, in Bertrand Westphal’s meaning. I believe that this concept is central in the artistic project Periplus and that it extends to other dimensions, always critical. In his testimony, Michales Loukovikas described his surprise when he found connection points, proximities, between a Cretan song and a Portuguese song, and thenceforth he constructed a musical history of that song from the Middle Ages to our days.

Seikilos Epitaph: engraved on a stele, it’s the oldest extant complete musical composition in the world.

The idea of bridges, of connection, extends to areas of music such as the so-called erudite music – of the first written document of music in memory, the Seikilos Epitaph – of folk music, of protest songs by Zeca Afonso, etc. This principle applies to the past/present time: the past in this musical project, as well, is not a determination that deprives these individual musicians of the freedom to construct their present and think about their future. Traditions, historical documents that testify to the voyages sung and played in this disc, are taken over in a critical and emancipated way, enunciating step by step Another past, open to sharing and intersubjective connection, breaking with both the atomization of individuals in their narcissistic egoisms, and with their reduction to masses or to stereotyped collectives. The musical project Periplus offers each one of us this critical and committed vision through an experience of cultural and musical connection, in historical relationships, in the appreciation of difference, in the horizontality of participations and open to anyone willing to listen and let oneself be mobilized.

● This text was read at the International Colloquium “Literary Spaces and Critical Territories. Towards an Approach to Literary Space: Geopoetics and Geocriticism on Broadening the Frontiers of Knowledge”, at the Faculty of Letters of the University of Porto between June 29 and July 1, 2017. I thank the Organization
of the Colloquium for the invitation to participate in the event.
(Maria do Rosário Pestana)

PERIPLUS MUSICAL TROUPE: Amélia Muge: voice, vocals, guitarra braguesa, talk, sound-effects. | Michales Loukovikas: voice, vocals, accordion, finger-snaps, hand-claps, percussion, drone, talk, samples of voices and sounds.
Manos Achalinotopoulos: clarino (folk clarinet), voice, vocals. | Kyriakos Gouventas: violin, viola, mandolin. | Harris Lambrakis: ney (oriental flute), recorder. | José Martins: percussion, synthesizer, hand-claps, kalimba, sound-effects. | Ricardo Parreira: guitarra portuguesa. | António Quintino: double bass. | Filipe Raposo: piano, keyboards, accordion. | José Salgueiro: percussion, hand-claps.

SPECIAL GUESTS: Hélia Correia, writer: voice. | Eleni Tsaligopoulou, singer: voice, vocals, children’s songs, laughs. | Outra Voz, a Guimarães citizens’ choir: sounds of the sea, water, wind, space, vocals, children’s songs, respirations, talk.

Justice and Divine Vengeance [Nemesis] Pursuing Crime, by Pierre Paul Prud’hon (1808)

MARIA GRACIETE BESSE sobre “ARCHiPELAGOS”

Posted by michales loukovikas on 2020/05/21

Posted in: Reflections on our work. Tagged: Açores, Adriano Correia de Oliveira, Amélia Muge, Ana Dias, Ana Moura, Anatolia, Andreas Karakotas, António José Martins, António Quintino, ARCHiPELAGOS, Ares Alexandrou, Aristóteles, Armando Soares, Arquipélago, Auschwitz, Ásia Menor, Édouard Glissant, Ítaca, Cabo Verde, Camané, Canárias, Cantiga de amigo, Caribe, Catarina Anacleto, Catarina Moura, Cesária Évora, Constantinopla, Cramol, Crime contra a humanidade, Cristina Branco, Democracia, Dimitris Mystakidis, Esmirna, Euripides, Fado, Fausto Bordalo Dias, Fernando Lopes-Graça, Fernando Pessoa, Filipe Raposo, Friedrich Hölderlin, Giorgos Andreou, Giorgos Mitsakis, Harris Lambrakis, Hélia Correia, Hinos hurritas, Holocausto, Hurritas, Ilhas Egeias, Istambul, João Afonso, João de Deus, José Gomes Ferreira, José Manuel David, José Mário Branco, José Niza, José Salgueiro, José Saramago, Kosmas Papadopoulos, Kostas Hanis, Kyriakos Gouventas, Ludwig van Beethoven, Macaronesia, Manos Achalinotopoulos, Mar Egeu, Marcha Fúnebre, Maria Graciete Besse, Maria José Muge, Maria Monda, Mariana Abrunheiro, Martim Codax, Mísia, Mediterrâneo, Michales Loukovikas, Nikkal, Niovi Benou, Odisseia, Odisseu, Orestes, Orquestra de Cordas Palhetadas, Paló, Panaiotis Tountas, Partenon, Périplo, Pedro Casaes, Periplus, Platão, Rebético, Revolução Francesa, Ricardo Parreira, Rita Maria, Rosalía de Castro, Rui Vaz, Safo, Saint-John Perse, Sofia Adriana Portugal, Sorbonne, Susana Quaresma, Tânia Cardoso, Teresa Campos, Terror, Thanassis Tsipinakis, Theodor W. Adorno, Thomas More, Thomás Natsis, Trácia, Ugarit, Utopia, Vasilis Tsitsanis, Vigo, Violeta Parra, Walter Benjamin, Zeca Afonso. Leave a comment

MARIA GRACIETE BESSE sobre “ARCHiPELAGOS”

Amélia Muge | Michales Loukovikas

/ENGLISH/ MARIA GRACIETE BESSE on ARCHiPELAGOS
/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ Η MARIA GRACIETE BESSE για το ARCHiPELAGOS

Maria Graciete Besse: escritora e poetisa luso-francesa

Uma prática da Relação

ARCHiPELAGOS / Passagens, de Amélia Muge e Michales Loukovikas, Periplus

Maria Graciete Besse, Professeur émérite, Université de Paris IV – La Sorbonne

mariagraciete7@aol.com

Todo o pensamento arquipélago é pensamento do tremor, da não-presunção, mas também da abertura e da partilha.

Édouard Glissant

Autora, cantora e compositora, Amélia Muge é bem conhecida no panorama cultural português, pela beleza dos seus textos e composições musicais. Natural de Moçambique, a artista chegou a Portugal em 1984. O seu primeiro disco, intitulado Mugica, foi divulgado em 1992, seguido de Todos os dias (1994). Ao longo da sua carreira, Amélia Muge tem colaborado regularmente com José Mário Branco, Fausto, entre outros, e obteve em 1995 o prestigioso prémio Zeca Afonso com Maio maduro Maio (partilhado com José Mário Branco e João Afonso). De novo, este prémio foi-lhe atribuído em 1998, pelo álbum Taco a Taco, seguindo-se outros discos (A Monte, 2000; Não sou daqui, 2007) e numerosas participações em festivais nacionais e internacionais. Na actualidade, a autora continua a colaborar com diversos cantores, compondo também para fadistas bem conhecidos como Mísia, Camané, Ana Moura, Cristina Branco, entre muitos outros.

Em 2009, Amélia Muge conheceu Michales Loukovikas, cantor, compositor e instrumentista, originário da Trácia e especialista de música grega contemporânea, em particular do Rebético.¹ Este encontro, sob os auspícios da Internet, revelou-se imediatamente fecundo pois concretizou-se em diversos projectos e na publicação de três discos: um CD-livro em português e em grego (2011), que celebra a obra do poeta Ares Alexandrou, desenvolvendo um trabalho precedente de Michales Loukovikas, intitulado O Ouro do Céu; em seguida surge Periplus / Deambulações luso-gregas (2012), considerado em Portugal como um dos melhores discos do ano; e mais recentemente Archipelagos / Passagens (2018), que inclui um CD e um eBook, onde descobrimos uma aventura musical e poética que se desenrola entre Portugal e a Grécia, mas que se abre também a um mundo mais vasto. Neste trabalho, os dois artistas celebram a temática da viagem através de diferentes culturas e paisagens, num tempo múltiplo e num espaço variado – Portugal, a Grécia, a Macaronésia, a América do Sul, as ilhas da utopia –, para nos propôr um olhar cruzado, dotado de uma sonoridade original que prolonga as fascinantes deambulações luso-gregas de Periplus, de forma a oferecer-nos agora algumas passagens que nos conduzem para além da errância, até novas dimensões do imaginário.

¹ Forma popular marcada pela herança musical de Istambul (Constantinopla) e de Esmirna, que se desenvolve sobretudo nos anos 1920, na sequência das vagas de refugiados da Ásia Menor.

Dotado de uma grande qualidade literária e musical, Archipelagos / Passagens é composto por 28 rotas, distribuídas em 10 sequências-ilhas distintas, apresentando-se como uma obra em forma de arquipélago. Este termo, explicitado no eBook (Archipédia) que acompanha o CD (com textos em português, inglês e grego), remete para o sentido que vigorava na Grécia antiga em que o arquipélago designava o mar Egeu, passando mais tarde a significar o conjunto de ilhas do Egeu e finalmente, qualquer agrupamento de ilhas. Mas o conceito de arquipélago apresenta uma grande densidade de conotações poéticas, sendo tributário, no imaginário colectivo ocidental, das utopias dos séculos passados em que a ilha aparecia isolada. Quando falamos de arquipélago, podemos também evocar a cultura antiga e, depois de Hölderlin, toda a riqueza cultural helénica, universal e imortal. Para Saint-John Perse (1887-1975), outro grande poeta fascinado pelo universo insular, por detrás do écran luminoso do espaço mediterrânico, existe um ambiente atmosférico e uma base psicológica, impregnada de história e de civilização antiga. É com esta dimensão encantatória que abre o disco de Amélia Muge e Michales Loukovikas, a partir da adaptação de um poema de Hölderlin.

Édouard Glissant, por Jennifer Dionisio

No centro do universo literário e musical oferecido por este trabalho, podemos facilmente identificar o conceito paradigmático de Relação, desenvolvido pelo poeta, romancista e filósofo francês Édouard Glissant (1928-2011) que propõe uma poética rizomática aberta ao Diverso enquanto travessia entre o lugar e o mundo.² Ao remeter para o entrecruzamento de culturas diversas, a Relação traduz um pensamento arquipélago, em que as ilhas deixam de significar isolamento, para se abrirem à totalidade-mundo, isto é, a uma força que irradia, opondo-se ao conceito totalitário de fechamento e intolerância.³ Apesar das diferenças geográficas e culturais, pensamos que em Archipelagos / Passagens existem efectivamente ecos da obra deste grande poeta das Caraíbas, sobretudo pelo sentido de um trajecto, de um precurso e de um cruzamento que se encontram na base de um pensamento que se opõe à visão de um mundo fechado, unitário, para nos propôr a presença estimulante do Diverso, marcado pela ideia do movimento. Mas, como sublinhou em várias ocasiões Édouard Glissant, a Relação não significa a mistura confusa e desordenada de culturas, na medida em que o Diverso compreende as diferenças que se encontram, se ajustam umas às outras, se harmonizam. Para o poeta, a Relação possui uma dimensão arquipélica aberta à passagem e à totalidade-mundo, noção que permite conceber tanto a política como a identidade, a ética, a língua e as diferentes modalidades do pensamento. Na opinião de Glissant, o esquema do pensamento arquipélago não conduz à noção de território que se define como uma noção continental, porque o arquipélago é discontínuo, descentrado. Nesta perspectiva, o poeta-filósofo distingue:

● o pensamento continental que se identifica com o sistema, arrogante, feito de lógicas causais que podem conduzir à guerra;

● e o pensamento arquipélago que é uma outra forma de pensar, mais intuitiva, mais frágil, rizomática, associada ao imprevisto do caos-mundo, neologismo que caracteriza não a desordem mas o imprevisível.⁴

O Dia de Deus, de Paul Gauguin

² Para Édouard Glissant, a Relação é tudo que “relie (relaie), relate”, in Poétique de la Relation. Poétique III, Paris, Gallimard, 1990, p. 187.

³ Édouard Glissant, Traité du Tout-monde. Poétique IV, Paris, Gallimard, 1997.

⁴ Segundo Édouard Glissant, a noção de “caos-mundo é bem precisa: trata-se da mistura cultural, que não se reduz simplesmente a um melting-pot, graças à qual a totalidade mundo hoje está realizada.”, in Introdução a uma poética da diversidade, trad. Enilce do Carmo A. Rocha, Juiz de Fora, editora UFJF, 2005, p. 98.

Para Glissant, o pensamento arquipélago é também um pensamento do tremor, que condiz com a errância e se abre ao futuro. Assim, o estremecimento ou o tremor é a qualidade do que se opõe ao pensamento brutal, unívoco, do eu sem o outro, escreve o poeta, sublinhando que precisamos de estremecimento, porque sufocamos no meio de pensamentos sistemáticos e arrogantes. Poderíamos acrescentar que precisamos também, cada vez mais, de espaços de epifania, como os que Amélia Muge e Michales Loukovikas nos dão a ouvir neste disco que desenha arquipélagos inéditos, mobiliza culturas misturadas, apelando a uma dinâmica de subjectivações inesperadas que designam um olhar, uma voz, um sopro, uma tradição atravessada por múltiplas passagens, memórias fluídas e estremecentes, para pensar a complexidade do mundo, convidando-nos também a imaginar o Encontro e a alimentar a esperança para além de todas as formas de utopia.

Uma visão surrealista do artista haitiano Vanex Florestant

Para Glissant, como para Amélia Muge e Michales Loukovikas, a paisagem não é apenas um simples cenário, mas uma personagem activa da História. Assim, graças à poética da Relação, uma parte da natureza, vista pelo olhar humano, isto é, a paisagem escolhida em função de parâmetros subjectivos, emotivos e afectivos, não se encontra unicamente numa perspectiva horizontal, mas desenha uma profundidade vertical que nos convida à reflexão. Assim, o primeiro eixo temático do disco propõe-nos uma série de paisagens que remetem para a beleza da Grécia cantada por Hölderlin, postas em relação com fragmentos de Orestes, a tragédia de Eurípides, composta em 408 antes de Cristo, que evoca a dor, cantada em grego antigo por Michales Loukovikas e coro. Identificamos em seguida a presença de dois universos musicais distintos: o hino hurrita a Nikkal, datado de 1400 antes de Cristo – descoberto na Síria nos anos 50, num campo arqueológico (Ugarit) – e o Acordai, poema de José Gomes Ferreira, musicado por Fernando Lopes-Graça nos anos 40. A sequência começa como uma canção de embalar que vem da Antiguidade e chega aos nossos dias para despertar a nossa sensibilidade e inteligência, e se impôr como uma canção de luta. Paralelamente à pesquisa literária deste notável trabalho musical, podemos falar de uma dimensão ética e política no sentido mais nobre do termo.

Orestes matando Egisto e Clitemnestra, baixo relevo num sarcófago (ca 150 EC)

O disco começa com uma voz da sabedoria que recita versos de
Hölderlin (a mãe de Amélia, com 98 anos) e termina com um coro
infantil, desenhando assim um itinerário que se projecta no futuro.

Archipelagos / Passagens convida-nos a viajar através de espaços reais e imaginários, propondo-nos um percurso geográfico, literário e cultural que convoca vozes tão diferentes como as de Safo, Eurípides, Hölderlin, Pessoa, José Gomes Ferreira, Saramago, ou ainda Hélia Correia, que se encontra no centro de todo o CD. É de notar também que o disco começa com uma voz da sabedoria que recita versos de Hölderlin (a mãe de Amélia, com 98 anos) e termina com um coro infantil, desenhando assim um itinerário que se projecta no futuro. O mundo antigo e o espaço do Mediterrâneo, o mar fechado, abrem-se ao Atlântico e confundem-se com o universo da Macaronésia, introduzida através dum canto tradicional das Canárias posto em relação com um canto dos Açores e com ritmos caboverdianos numa belíssima homenagem a Cesária Évora.

Cesária Évora, por Sersun

Podemos ainda observar que todo este trabalho é atravessado por uma interrogação fundamental de Hölderlin, citado por Hélia Correia : “Para que servem os poetas em tempo de indigência?”. Esta pergunta eivada de melancolia, colocada em 1800 pelo poeta do Romantismo alemão, sublinha a desilusão de todos aqueles que viam as luzes da Revolução francesa apagar-se no Terror. Contudo, Hölderlin não se dirige exactamente aos desiludidos da História mas aos “abandonados por Deus”, constatando a queda espiritual, o eclipse da transcendência. Convém no entanto lembrar que, três anos mais tarde, surge a resposta a esta pergunta quando Hölderlin sublinha o papel e a responsabilidade do artista, afirmando que “os poetas fundam tudo o que permanece”. Em meados do século XX, Adorno evoca o crime contra a humanidade e considera que seria bárbaro escrever poesia depois de Auschwitz. Mas a poesia permanece, como sabemos e como o demonstra também o trabalho de Archipelagos / Passagens que celebra as palavras vindas de diversos horizontes culturais, para nos lembrar que a pergunta de Hölderlin se pode colocar novamente nos nossos dias, perante a perda de muitos valores que tocam o mundo contemporâneo.

Estátua de Odisseu descoberta por colectores de esponjas nos destroços
do naufrágio de Anticítera entre outras estátuas, moedas e artefactos (sécs. IV
a I AEC), bem como o mecanismo de Anticítera, o mais antigo computador analógico conhecido.

Archipelagos / Passagens celebra portanto uma paisagem múltipla, cruza memórias, estabelece um diálogo com a tradição escrita e oral, traduz o ritmo das línguas (o português, o grego, o espanhol, o inglês, o crioulo), faz ouvir o sopro que revela a harmonia, a dor e a violência da História – é de notar que numa das sequências mais belas do disco, Amélia Muge mergulha justamente na memória das palavras e canta Safo em grego antigo, convidando-nos a viajar no tempo e a enfrentar a tentação do silêncio, antes de convocar um poema inglês de Fernando Pessoa para insistir na cadência das horas, mostrando-nos que o tempo nos conduz para o que Glissant chamava o caos-mundo, onde encontramos o choque dos contactos, as misturas entre realidades muito diferentes, as identidades e as culturas que entram em relação umas com as outras, sem nada perder da sua originalidade. Este caos-mundo é dominado pelo mar feiticeiro cantado em grego por um outro colaborador do CD, Andreas Karakotas, que convoca um excerto do já evocado hino hurrita a Nikkal e nos conduz até uma Odisseia onde Ulisses vai encontrar o caminho até à sua ilha, depois de uma longa viagem através de terras desconhecidas. Mas “Ítaca já não há”, diz o poema. Ulisses transformou-se num estrangeiro que toma a forma de um mendigo, de um refugiado – poderíamos nós acrescentar hoje –, de um emigrante, que a Europa insulta e deixa morrer nesse imenso cemitério chamado Mediterrâneo. E entramos em seguida num novo eixo temático do disco que vai opôr utopia e distopia, onde se inscreve o imprevisto aberto à errância e por vezes à morte, como a do pescador Nicolas cantado por Michales Loukovikas, esse pescador esperado pela sua mãe que não sabe que o filho se afogou no mar.

A jangada de Medusa, de Théodore Géricault (1818-19). O naufrágio chocou toda a gente porque as vítimas eram europeias; inspirou uma oratória de Hans Werner Henze e um filme
de Iradj Azimi. Agora que estes naufrágios são de não europeus, tornaram-se uma rotina…

O percurso poético e musical abre-se contudo à visão de uma utopia, remetendo para a famosa ilha inventada por Thomas More em 1516, e cujas raízes se encontram em Aristóteles e Platão. A utopia representa, como sabemos, algo de perfeito, indissociável da busca. O sentido político da utopia relaciona-se com um governo imaginário impossível de realizar. A transformação da utopia em distopia revela um tropismo melancólico que diz respeito à nossa representação do tempo e da História marcada pela catástrofe (essa catástrofe de que falava Walter Benjamin, o filósofo judeu alemão, no início dos anos 1930, pressentindo já o horror da Shoah). Assim, o sonho pode-se transformar em pesadelo, onde erram os meninos perdidos, cantados por Amélia Muge numa bela adaptação de um ritmo tradicional da Trácia, com um arranjo de António José Martins e de Michales Loukovikas.

A pergunta colocada por Hölderlin (“Para que servem os poetas em tempo de indigência?”), ganha grande intensidade, como uma litania, quando se exprime na voz de Hélia Correia que evoca a ruína da Grécia, abandonada por todos os deuses (sobretudo os deuses da Finança no momento da crise recente). O pesadelo distópico é transmitido pela música de Beethoven, mais precisamente pelo 2o movimento da Terceira Sinfonia, a Marcha Fúnebre, adaptada por Michales Loukovikas, para exprimir o que Hélia Correia designa como a Terceira Miséria (título de um magnífico livro de poesia).⁵ A “terceira miséria” de que fala Hélia Correia, é “a de quem já não ouve nem pergunta” e que corresponde à desumanização do mundo em que vivemos, povoado de sombras, esse mundo que perdeu todo o sentido da hospitalidade – Falamos de sombras é justamente o título deste tema que pertence a uma das mais belas sequências do CD.

⁵ Hélia Correia, A Terceira Miséria, Lisboa, Relógio d’Água, 2012 (com o Partenon na capa).

O terceiro eixo temático deste trabalho aborda por fim a emigração feita da nostalgia que alimenta o cantar do emigrante, onde ouvimos ecos de outros ritmos bem conhecidos, a voz de Violeta Parra, ou os versos de Rosalía de Castro, musicados por José Niza e já cantados por Adriano Correia de Oliveira.

Ao longo do álbum, podemos verificar que a Relação se apresenta como algo de dinâmico que diz o mundo na sua transição entre o interior e o exterior, o subjectivo e o objectivo, o próximo e o distante. Esta Relação é, como afirmava Édouard Glissant, um conhecimento no sentido de um saber acerca de si mesmo e acerca dos outros, quando o artista se abre ao drama do mundo, mas pode também significar um universo onde se inscreve por vezes a Alegria, título de um poema de José Saramago, adaptado por Amélia Muge e António José Martins, baseado numa composição e arranjo de Giorgos Andreou.

A viagem poética e musical converge finalmente numa celebração do mar, espaço do encontro que vai revisitar uma célebre cantiga de amigo de Martim Codax, Ondas do mar de Vigo, cantada em grego por Michales Loukovikas e em português por Amélia Muge, com uma melodia de Rebético de Panaiotis Tountas, música da Relação por excelência. A última sequência de Archipelagos / Passagens projecta-se no futuro pois tal como canta Amélia Muge, “há sempre outro barco a chegar” e “tudo pode acontecer”.

Promenade à Utopia, de Igor Bitman

Para concluir, podemos afirmar que este notável trabalho de Amélia Muge e Michales Loukovikas não pretende apresentar um mundo estático, de conhecimento formal, mas abre-se a um universo de relações e de revelações possíveis. Descobrimos assim o mundo na sua diversidade imprevisível através de uma viagem constituída por múltiplos itinerários que passam pelos lugares que povoam a nossa memória, desenhando um trajecto atento aos dramas da democracia contemporânea, mas também ao milagre sempre renovado da vida, do esplendor da paisagem, do estremecer da esperança. O album trabalha uma Relação constante entre o sujeito, o mundo, a escrita poética e musical, a utopia e a distopia, correspondendo a um percurso emblemático que nos leva a ultrapassar todas as fronteiras, todos os muros, para desenhar uma geopoética da insularidade arquipélica como um colar de ilhas que “estão por nós sempre a chamar” como podemos ouvir na última passagem do disco. Por todas estas razões, pensamos que Archipelagos / Passagens constitui uma bela ilustração do conceito glissantiano de Relação alimentada de mobilidade e de passagens, que incluem o descentramento, o estremecimento, a abertura ao Múltiplo e ao Diverso, mas também um convite à reflexão ética e política, projectando-nos num futuro possível, que deve ter em conta a generosidade da imaginação capaz de transformar o mundo.

● Apresentação de ARCHiPELAGOS / Passagens em Paris, Fondation
Calouste Gulbenkian – Délégation en France, 7 de Novembro de 2018.
● Publicado em Limite, Revista de Estudios Portugueses y de
la Lusofonía, Universidad de Extremadura, vol 12.2 / 2018

MARIA GRACIETE BESSE on “ARCHiPELAGOS”

Posted by michales loukovikas on 2020/05/20

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MARIA GRACIETE BESSE on “ARCHiPELAGOS”

Amélia Muge | Michales Loukovikas

/PORTUGUÊS/ MARIA GRACIETE BESSE sobre ARCHiPELAGOS
/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ Η MARIA GRACIETE BESSE για το ARCHiPELAGOS

Maria Graciete Besse: a Portuguese-French writer and poet

Practice of Relation

ARCHiPELAGOS / Passages: Amélia Muge and Michales Loukovikas, Periplus

Maria Graciete Besse, Professor Emerita, University of Paris IV – La Sorbonne

mariagraciete7@aol.com

Every archipelago thinking is thinking of tremor, of non-presumption, but also of openness and sharing.

Édouard Glissant

Composer, songwriter and singer, Amélia Muge is well known in the Portuguese cultural panorama for the beauty of her lyrics and musical compositions. Born in Mozambique, the artist came to Portugal in 1984. Her first album, entitled Múgica, was released in 1992, followed by Todos os dias (1994). Throughout her career, Amélia Muge has regularly collaborated with José Mário Branco, Fausto, etc., and was awarded the prestigious Zeca Afonso Prize in 1995 for Maio maduro Maio (together with José Mário Branco and João Afonso). She received again this prize in 1998 for the album Taco a Taco, followed by other discs (A Monte, 2000; Não sou daqui, 2007) and numerous participations in national and international festivals. At present, the songwriter continues working with several artists, and composing for well-known fado singers such as Mísia, Camané, Ana Moura, Cristina Branco, and many others.

In 2009, Amélia Muge met the singer, composer and instrumentalist Michales Loukovikas, born in Thrace, a specialist in contemporary Hellenic music, especially rebetiko.¹ This meeting, under the auspices of the Internet, proved immediately to be fruitful, actualized in several projects and three albums: a CD-book in Portuguese and Greek (2011), which celebrates the work of the poet Ares Alexandrou, based on a previous work by Michales Loukovikas, entitled O Ouro do Céu (The Gold in the Sky); then Periplus / Luso-Hellenic Wanderings (2012), considered in Portugal as one of the best albums of the year; and more recently Archipelagos / Passages (2018), which includes a CD and an eBook, where we discover a musical and poetic adventure unfolding between Portugal and Greece, but also open to the wider world. In this work, the two artists celebrate the theme of voyage through different cultures and landscapes, in multiple time and varied space – Portugal, Greece, Macaronesia, South America, the islands of utopia –, proposing a crossed approach, endowed with an original sound that extends the fascinating Luso-Hellenic Wanderings of Periplus, to offer us now some passages that lead us beyond wanderings to new dimensions of the imagination.

¹ A popular genre, marked by the musical heritage of Smyrna (Izmir) and Constantinople (Istanbul), that mainly developed in Hellas during the 1920s, after the Greek refugee waves from Asia Minor.

Endowed with a great literary and musical quality, Archipelagos / Passages consists of 28 routes, distributed in 10 distinct island sequences, presenting itself as a work in the form of an archipelago. The term “archipelago”, as it is made explicit in the eBook (Archipedia) accompanying the CD (with texts in Portuguese, English and Greek), refers to a meaning prevailing in ancient Greece, where it designated the Aegean Sea, later denoting the Aegean Islands, and finally any island group. But the concept of an archipelago presents a high density of poetic connotations, being a tributary, in the Occidental collective imagination, to past centuries’ utopias in which the island appeared isolated. Talking about an archipelago, we can also evoke the ancient culture and, after Hölderlin, all the Hellenic, universal and immortal cultural richness. According to Saint-John Perse (1887-1975), another great poet fascinated by the island universe, there is an atmospheric environment and a psychological base behind the bright screen of the Mediterranean space impregnated with ancient history and civilization. The album of Amelia Muge and Michales Loukovikas opens with this enchanting dimension, emanating from the adaptation of a poem by Hölderlin.

Édouard Glissant, by Jennifer Dionisio

At the centre of the literary and musical universe this work offers, we can easily identify the paradigmatic concept of Relation, developed by the French poet, novelist and philosopher Édouard Glissant (1928-2011), who proposed a rhizomatic poetics open to Diversity as a crossing between a place and the world.² Referring to the crossroads of diverse cultures, the Relation reflects an archipelago thinking, in which the islands cease to mean isolation, opening themselves to the whole world, that is, to a radiating force, opposing the totalitarian concept of closure and intolerance.³ Despite the geographical and cultural differences, we think that in Archipelagos / Passages there are in fact echoes of the work of this great Caribbean poet, mainly due to the sense of a trajectory, a precursor and a crossing, which are at the base of a way of thinking that is opposed to a vision of a closed, unitary world, proposing the stimulating presence of the Diverse, marked by the idea of movement. But, as Édouard Glissant has stressed on several occasions, the Relation does not mean a confused and disorderly mixture of cultures, inasmuch as the Diverse understands the existing differences, adjusting to each other, harmonizing. According to the poet, the Relation has an archipelagic dimension open to passage and to the whole world, a notion that allows conceiving not only politics but also identity, ethics, language and different modes of thinking. In Glissant’s opinion, the scheme of archipelago thinking does not lead to the notion of territory that is defined as a continental notion, because the archipelago is discontinuous, decentralized. In this perspective, the poet-philosopher distinguishes:

● continental thinking identifying with the system, arrogant, made of causal logic that can lead to war;

● and archipelago thinking, which is another way of thinking, more intuitive, more fragile, rhizomatic, associated with the unpredictable of chaos-world, a neologism that characterizes not disorder but the unpredictability.⁴

² According to Édouard Glissant, the Relation is everything that “relates”, in Poétique de la Relation. Poétique III, Paris, Gallimard, 1990, p.187.

³ Édouard Glissant, Traité du Tout-monde. Poétique IV, Paris, Gallimard, 1997.

⁴ According to Édouard Glissant, the notion of “chaos-world is very precise: it is a cultural mixture, which is not simply reduced to a melting-pot, thanks to which the whole world is realized today.” Introdução a uma poética da diversidade, translated by Enilce do Carmo A. Rocha, Juiz de Fora, UFJF publishers, 2005, p. 98.

The Day of the God, by Paul Gauguin

Poetics of Relation: opacity has the radical potentiality for social movements to challenge and subvert systems of domination. Glissant demands for the “right to opacity”, indicating the oppressed can be opaque, not completely understood, and simply exist as different. The colonizer perceived the colonized as different and unable to be understood, thereby constructing the latter as the Other and demanding transparency so that the former could somehow fit them into their cognitive schema and dominate over them. However, Glissant rejects this transparency and defends opacity and difference because other modes of understanding do exist; he calls for understanding and accepting difference without measuring it to an “ideal scale”, and comparing and making judgments, “without creating a hierarchy” – as Western thought has done.

Rhizome is a philosophical concept developed by Gilles Deleuze and Félix Guattari in their Capitalism and Schizophrenia (1972–80). They oppose it to an arborescent (hierarchic, tree-like) conception of knowledge, which works with dualist categories and binary choices. A rhizome works with planar-horizontal and trans-species connections, while an arborescent model works with vertical and linear ones. They use examples from the biological concept of mutualism, in which two different species interact to form a multiplicity. “The rhizome resists the organizational structure of the root-tree system which charts causality along chronological lines, looks for the original source of ‘things’ and towards the pinnacle or conclusion of those ‘things’. A rhizome, on the other hand, is characterized by ‘ceaselessly establishing connections between semiotic chains, organizations of power, and circumstances relative to the arts, sciences, and social struggles.’ Rather than narrativize history and culture, the rhizome presents history and culture as a map or wide array of attractions and influences with no specific origin or genesis, for a ‘rhizome has no beginning or end; it is always in the middle, inter-being, intermezzo.’ The planar movement of the rhizome resists chronology and organization, instead favouring a nomadic system of growth and propagation.”

A surrealistic vision by Haitian artist Vanex Florestant

According to Glissant, archipelago thinking is also thinking of tremor, which is consistent with wandering and open to the future. Thus, shivering or tremor is the quality of what is opposed to the brutal, univocal thinking of oneself without the other, writes the poet, stressing that we need to shiver, because we suffocate in the middle of systemic and arrogant thoughts. We could add that we also need, more and more, spaces of epiphany, as the ones that Amélia Muge and Michales Loukovikas give us to listen to in this disc that designs unprecedented archipelagos, mobilizes mixed cultures, appealing to a dynamic of unanticipated subjectivations that designate a glance, a voice, a breath, a tradition traversed by multiple passages, fluid and shivering memories, in order to think about the complexity of the world, also inviting us to imagine the Encounter and to foster hope beyond all forms of utopia.

According to Glissant, as well as to Amélia Muge and Michales Loukovikas, the landscape is not just a simple scenario, but an active character in history. Thanks to the poetics of Relation, a part of nature, seen through the human eye, i.e. the landscape chosen according to subjective, emotional and affective parameters, is not only in a horizontal perspective, but designs a vertical profundity that invites us to reflection. Thus, the disc’s first thematic axis proposes a series of landscapes that refer to the beauty of Greece sung by Hölderlin, related to fragments of Orestes, the tragedy of Euripides, composed in 408 BC, evoking pain, sung in ancient Greek by Michales Loukovikas and chorus.

Orestes slaying Aegisthus and Clytemnestra, relief of a sarcophagus (ca 150 CE)

We then identify the presence of two distinct musical universes: the Hurrian Hymn to Nikkal, dating to 1400 BC – discovered in Syria in the 1950s, in the archaeological site of Ugarit – and Acordai (Wake Up), a poem by José Gomes Ferreira, set to music by Fernando Lopes-Graça in the 1940s. The sequence begins as a lullaby that starts from antiquity and reaches our days to awaken our sensitivity and intelligence, and imposes itself as a protest song. Parallel to the literary research of this remarkable musical work, we can speak of an ethical and political dimension in the noblest meaning of the term.

The disc begins with a voice of wisdom that recites Hölderlin’s verses (Amélia’s mother, aged 98) and ends with a children’s choir, thus
designing an itinerary that is projected into the future.

Archipelagos / Passages invites us to a voyage through real and imaginary spaces, proposing a geographical, literary and cultural route that convokes voices as different as those of Sappho, Euripides, Hölderlin, Pessoa, José Gomes Ferreira, Saramago, or even Hélia Correia, which is in the centre of the entire CD. It should also be noted that the disc begins with a voice of wisdom that recites Hölderlin’s verses (Amélia’s mother, aged 98) and ends with a children’s choir, thus designing an itinerary that is projected into the future. The ancient world and the space of the Mediterranean, the closed sea, opens up to the Atlantic and is confounded with the universe of Macaronesia, introduced through a traditional song of the Canaries connected with a song of the Azores and Cape Verdean rhythms in a beautiful tribute to Cesária Évora.

Cesária Évora, by Sersun

We can also observe that all this work is traversed by a fundamental question of Hölderlin, quoted by Hélia Correia: “What is the purpose of the poets in times of such indigence?” This melancholic question, posed in 1800 by the German Romantic poet, underlines the disillusionment of all those who saw the lights of the French Revolution go out in the Reign of Terror. However, Hölderlin does not exactly aim at the disillusioned with history but at those “abandoned by God”, bringing about the spiritual fall, the eclipse of transcendence. Anyway, we should remember that, three years later, the answer to this question arose when Hölderlin underlined the role and responsibility of the artist, stating that “the poets established everything that persists”. In the middle of the 20th century, Adorno evoked the crime against humanity and considered that it would be barbaric to write poetry after Auschwitz. But poetry persisted, as we know, and as is demonstrated by the work of Archipelagos / Passages that celebrates words coming from diverse cultural horizons, to remind us that Hölderlin’s question can be asked again in our days, due to the loss of many values that touch the contemporary world.

Odysseus’ marble statue (ca 1st century BCE) from the Anticythera (ship)wreck discovered by sponge divers near Anticythera in 1900. Statues, coins and other artifacts dating back to the 4th century BCE were found there, as well as the severely corroded remnants of the world’s oldest known analog computer, the Anticythera mechanism.

Archipelagos / Passages, therefore, celebrates a multiple landscape, crosses memories, establishes a dialogue with written and oral tradition, translates the rhythm of languages (Portuguese, Greek, Spanish, English, Creole), makes us listen to the breath that reveals the harmony, pain and violence of history – it is noteworthy that in one of the most beautiful sequences of the album, Amélia Muge dives right into the memory of the words and sings Sappho in ancient Greek, inviting us to travel through time and face the temptation of silence, before convoking an English poem by Fernando Pessoa to insist on the cadence of the hours, showing that time leads us to what Glissant called chaos-world, where we find the shock of contacts, the mixtures between very different realities, the identities and cultures that come into relationship with each other, without losing anything of their originality. This chaos-world is dominated by the sorcerer sea sung in Greek by another collaborator of the CD, Andreas Karakotas, that convokes an excerpt from the already evoked Hurrian Hymn to Nikkal and leads us to an Odyssey where Odysseus is on his way to his island, after a long journey through unknown lands. “Ithaca was everything”, says the poem, but it no longer exists. Odysseus has become a foreigner who takes the form of a beggar, a refugee – we might add today –, a migrant, whom Europe insults and lets him die in this immense cemetery called the Mediterranean. Then we enter a new thematic axis of the disc opposing utopia and dystopia, where the unforeseen, open to wanderings and sometimes to death, is inscribed, like that of Nicolas the fisherman, sung by Michales Loukovikas – the fisherman his mother is waiting for, as she does not know that her son drowned in the sea.

The Raft of the Medusa, by Théodore Géricault (1818-19). The shipwreck shocked everyone as the victims were Europeans (French); it became an oratorio by Hans Werner Henze, and a film by Iradj Azimi. Now that these wrecks concern non-Europeans, they became a routine…

The poetic and musical route opens up, nevertheless, to the vision of a utopia, referring to the famous island invented by Thomas More in 1516, and whose roots are found in Aristotle and Plato. Utopia, as we know, represents something perfect, inseparable from the quest. The political meaning of utopia is related to an imaginary government that is impossible to achieve. The transformation of utopia into dystopia reveals a melancholic tropism that concerns our representation of time and history marked by catastrophe where the dream can be transformed into a nightmare (this catastrophe of which Walter Benjamin, the German Jewish philosopher, spoke in the early 1930s, already sensing the horror of the Holocaust); or into Neverland’s lost kids, sung by Amélia Muge, in a beautiful adaptation of a traditional Thracian rhythm, arranged by António José Martins and Michales Loukovikas.

The question posed by Hölderlin (“What is the purpose of the poets in times of such indigence?”), gains great intensity, like a litany, when it is expressed with Hélia Correia’s voice that evokes the ruin of Hellas, abandoned by all the gods (above all the gods of Finance in the moment of the recent crisis). The dystopian nightmare is transmitted with Beethoven’s music, more precisely the 2nd movement of the Third Symphony, the Funeral March, adapted by Michales Loukovikas, to express what Hélia Correia describes as the Third Misery (title of a magnificent book of poetry).⁵ The “third misery” mentioned by Hélia Correia, is “that of those who just don’t listen nor ask questions… don’t remember”, and corresponds to the dehumanization of the world in which we live, populated by shadows, that world that has lost every sense of hospitality – We Talk About Shadows is rightly the title of this song, in one of the most beautiful sequences in the CD.

⁵ Hélia Correia, A Terceira Miséria, Lisbon, Relógio d’Água, 2012 (with Parthenon on the front cover).

The next thematic axis of this work finally addresses the issue of migration with the nostalgia that fuels the singing of the migrant, where we hear echoes of other well-known tunes, Violeta Parra’s voice, or Rosalía de Castro’s verses, set to music by José Niza and sung by Adriano Correia de Oliveira.

Throughout the album, we can see that the Relation presents itself as something dynamic that reveals the world in its transition between interior and exterior, subjective and objective, near and distant. This Relation, as Édouard Glissant certifies, is a knowledge in the sense of knowing about oneself and about others, when the artist opens himself up to the drama of the world, but it can also mean a universe where Alegria (Jubilation) is sometimes inscribed – it’s the title of a poem of José Saramago, adapted by Amélia Muge and António José Martins, based on a composition and arrangement by Giorgos Andreou.

The poetic and musical voyage finally converges in a celebration of the sea, a meeting space to revisit a celebrated cantiga de amigo (a friend’s song) of Martín Codax, Waves of the Sea of Vigo, sung by Michales Loukovikas (in Greek) and Amélia Muge (in Portuguese), with a melody of rebetiko by Panaiotis Tountas – a music of Relation par excellence. The last sequence of Archipelagos / Passages is projected into the future because, as Amélia Muge sings, “there is always a boat to appear” and “everything will soon converge”.

Promenade à Utopia, by Igor Bitman

In conclusion, we can certify that this remarkable work by Amélia Muge and Michales Loukovikas does not intend to present a static world of formal knowledge, but opens up to a universe of relationships and possible revelations. Thus we discover the world in its unpredictable diversity through a voyage made up of multiple itineraries that pass through places that populate our memory, designing a trajectory attentive to the dramas of contemporary democracy, but also to the ever renewed miracle of life, of the splendour of a landscape, the shivering of hope. The album works on a constant Relation between the subject, the world, poetic and musical writing, utopia and dystopia, corresponding to an emblematic route that leads us to overcome all borders, all walls, to design a geopoetics of archipelagic insularity like a necklace of islands that “are there always calling us”, as we listen to in the last passage of the disc. For all these reasons, we think that Archipelagos / Passages constitutes a beautiful illustration of the Glissantian concept of Relation fed by mobility and passages, which include decentralization, shivering, openness to the Multiple and the Diverse, but also an invitation to an ethical and political reflection that projects us into a plausible future, which must take into account the generosity of an imagination capable of transforming the world.

● Presentation of ARCHiPELAGOS / Passages in Paris, Fondation
Calouste Gulbenkian – Délégation en France, November 7, 2018.
● Published in Limite, Revista de Estudios Portugueses y de
la Lusofonía, Universidad de Extremadura, vol 12.2 / 2018
● Adapted into English: Michales Loukovikas

● See also: GIORGOS ANDREOU on “ARCHiPELAGOS”
● as well as: GIORGOS ANDREOU on “PERIPLUS”

AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passagens

X. O QUE AS ONDAS CONTAM

● Ondas do mar de Vigo
● Contas do mar (Bulería de Sines)

/ENGLISH/ ARCHiPELAGOS • X. SEA WAVES TELLING TALES
/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • X. ΜΥΘΟΙ ΤΩΝ ΚΥΜΑΤΩΝ

ARCHiPELAGOS / Passagens: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

27. Ondas do mar de Vigo / Kýmata mýria tou pelágou

– Martín Codax (adaptado para grego por Michales Loukovikas) / Panagiotis Tountas
• Adaptação: Amélia Muge / Arranjo: M. Loukovikas

Cantiga de amigo galaico-portuguesa com melodia de rebético de Esmirna

Ondas do mar de Vigo, / Se vistes meu amigo? / E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amigo, / O por que eu sospiro? / E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado, / Se vistes meu amado? / E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amado, / Por que ei gran coidado? / E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar… Miríades de ondas… Contas do mar…

O pergaminho Vindel, manuscrito das cantigas de amigo de Martín Codax.

• Canto: M. Loukovikas, A. Muge / Coro: Rui Vaz • Clarino: Manos Achalinotópoulos
Contrabaixo: António Quintino / Guitarra, tzourás: Dimitris Mystakidis
Guitarra portuguesa: Ricardo Parreira / Ney: Harris Lambrakis / Percussão: José Salgueiro
Violino: Kyriakos Gouventas / Violoncelo: Catarina Anacleto

●

Panagiotis Tountas

● Panagiotis Tountas (1886-1942): famoso compositor grego do início do século XX, provavelmente o melhor representante da ‘escola’ de Esmirna (rebético), seu local de nascimento; viaja bastante pela diáspora helénica; após o incêndio de Esmirna, instala-se em Atenas; trabalha com todas as principais gravadoras na Grécia, sendo responsável pela maioria das gravações da época e, nalgumas delas, assumindo o cargo de diretor artístico. ● Esmirna: cidade helénica da antiguidade, localizada na costa do Egeu, Ásia Menor. Devido à sua posição estratégica tem um crescimento significativo e atinge durante o Império Romano proporções de metrópole. No período otomano a influência grega é ainda tão grande que os turcos lhe chamam Esmirna dos infiéis. Durante meados do séc. XIX, início do séc. XX, a cidade era um importante centro financeiro e cultural do mundo grego. Em 1919, com o fim da 1ª Guerra Mundial, foi atribuída à Grécia, mas em 1922 foi devolvida aos Turcos que incendiaram os quarteirões gregos e arménios, terminando com o carácter multi-cultural da cidade, o centro mais importante do rebético antigo. Os músicos de Esmirna eram influênciados quer pela música do oriente como também do ocidente, devido às várias comunidades europeias ali residentes, principalmente a italiana, criando desta forma a peculiar sonoridade da escola de Esmirna. ● Rebético, tzourás: ver ARCHiPELAGOS • VI. NA TAVERNA DO PORTO. ● Martín Codax (meio do séc. XIII-início do séc. XIV): nascido provavelmente em Vigo, Galiza, é um jogral medieval galego (jogral – do povo; trovador – da nobreza); em 1914 Pedro Vindel, um bibliógrafo, encontra na sua biblioteca, a servir de folha de guarda de um livro, um pergaminho com sete cantigas de amigo sem título (são citadas pelo primeiro verso), que conserva ainda a respectiva notação musical e onde Martín figura como seu autor; durante mais de setenta anos, foram o único testemunho deste tipo de expressão; assim, apesar da pequena quantidade de composições que se conhecem, as cantigas deste jogral são consideradas como das mais importantes da lírica trovadoresca galaico-portuguesa. ● Cantiga de amigo: forma da lírica medieval galaico-portuguesa, composta para ser cantada; com provável origem na tradição (extensa e antiga) do discurso em voz feminina, são inicialmente pertença dos jograis; apropriadas também pelos trovadores, foram-se adaptando a esses diferentes universos (cortês e palaciano versus quotidiano popular e espaços naturais); algumas retomam antiquíssimas temáticas tal como as que se encontram em Safo, evocando a dor da espera de um amor que não chega… Neste Archipelagos, a combinação das Ondas do mar de Vigo, com a melodia de um rebético, resultou numa agradabilíssima surpresa: ambas se encaixam tão bem quanto se pertencessem uma a outra desde sempre; acaso ou ADN cultural? (Teresa Muge)

A fada e o dragón, de Xaime Quessada (escultura de bronze em Vigo): uma fada com duas flautas montada num dragão alado, homenageando a cultura oral galega, os poetas medievais, jograis e trovadores, como Martín Codax, Mendinho ou Paio Gómez Chariño.

28. Contas do mar (Bulería de Sines)

– Amélia Muge / Michales Loukovikas, tradicional português
• Arranjo: M. Loukovikas, A. Muge

Este mar – o primeiro
A unir – por inteiro
E as ilhas – são as contas
De um colar – a enfeitar o mar
Contas contas – a contar
Que há sempre outro barco a chegar.

No lugar que tem amor / Duas ilhas vão crescer
S’o mar entr’elas der flôr / Tudo pod’ acontecer.

Cada hora que vivemos / Entra nas contas do mar
E se há ilhas que não vemos / Estão por nós sempre a chamar.

Ondas do mar… Contas do mar… Contas nas ondas do mar…

A-a, a-a, / Contas contas que são um colar – a enfeitar o mar
Contas contas qu’estão a contar – outro barco a chegar.

Amélia Muge e Michales Loukovikas apresentaram o seu projeto anterior, Periplus, no Festival Músicas do Mundo em Sines em 2012 com: Catarina Anacleto (violoncelo, coro), Manuel Maio (violino, bandolim), Nikos Paraoulakis (ney, flauta de bisel), António Quintino (contrabaixo), José Salgueiro (percussão), e Miguel Tapadas (piano). A Bulería de Sines (Contas do mar) foi composta nesta cidade e tocada na sua forma inicial durante este concerto.

• Canto: Catarina Moura, Teresa Campos / Coro: Maria Monda, A. Muge,
Coro de crianças, dir. Catarina Anacleto • Acordeão: M. Loukovikas / Clarino: Manos Achalinotópoulos
Contrabaixo: António Quintino / Guitarra: Dimitris Mystakidis / Guitarra de flamenco: Thomás Natsis
Guitarra portuguesa: Ricardo Parreira / Ney: Harris Lambrakis / Palmas: Niovi Benou, T. Natsis
Percussão: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo / Violino: Kyriakos Gouventas

●

● Bulería: dança, canto, peça instrumental, do repertório flamenco baseada numa medida de 12 tempos; aceita diversas variações rítmicas, com tendência a ser mais lenta se não for dançada; nasce na segunda metade do séc. XIX, provavelmente entre os ciganos de Jerez; a etimologia é incerta: se tomada como uma deformação de burleías (gracejos), explica o tom jocoso de muitas delas; se proveniente de boléras (dança cantada familiar do bolero), justifica um modelo mais intimista; também se aponta como origem o termo bulla (grito de encorajamento aos músicos); actualmente já não se encontram tantas bulerías com sentido humorístico, mas o lado passional continua a ser importante; dentro dos estilos do flamenco, é aquele que permite maior liberdade de improvisação (música e letra). ● Sines: cidade portuguesa da costa alentejana, local de nascimento de Vasco da Gama, acolhe o Festival Músicas do Mundo (FMM), da iniciativa da Câmara Municipal, um dos maiores eventos deste tipo organizado em Portugal. A Bulería de Sines (Contas do mar) foi composta e apresentada, na sua forma inicial, no FMM de 2012.

Festival Músicas do Mundo dentro do castelo de Sines

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ARCHiPELAGOS • VIII. EM TEMPO DE INDIGÊNCIA

Posted by michales loukovikas on 2017/11/23

Posted in: ARCHiPELAGOS. Tagged: A Terceira Miséria, Abkhazia, Alexandria, Amélia Muge, Anatolia, Antígona, António José Martins, António Quintino, Argo, Argonautas, Argos, Aristarco, Aristóteles, Arquimedes, Ateísmo, Ásia Menor, Óstraco, Batalha de Salamina, Biblioteca de Alexandria, Caesareum, Catarina Anacleto, Cólquida, Charles William Mitchell, Cibele, Circe Invidiosa, Cirilo, Clístenes, Ctesíbio, Democracia, Dimitris Mystakidis, Eclésia, Eratóstenes, Euclides, Farol de Alexandria, Fenícia, Filipe Raposo, Flauta de Pã, Francesco Jerace, Frígia, Guerra de Troia, Harris Lambrakis, Hélia Correia, Helena, Henoteísmo, Heron, Hipátia, Hiparco, Homero, Ilhas Egeias, Indignação, Jasão, Jean François de Troy, John William Waterhouse, José Manuel David, José Salgueiro, Konstantinos Volanakis, Kosmas Papadopoulos, Kyriakos Gouventas, Luís de Camões, Ludwig van Beethoven, Manos Achalinotopoulos, Mar Negro, Maria Monda, Medeia, Michales Loukovikas, Monolatria, Monoteísmo, Museu de Alexandria, Napoleão Bonaparte, Ninfas, Odisseia, Oligarquia, Pã, Panenteísmo, Pedro Casaes, Pericles, Persas, Philipp Foltz, Polis, Politeia, Prémio Camões, Reia, Revolução Francesa, Rui Vaz, Sócrates de Constantinopla, Serapeu, Serapis, Sete maravilhas, Siringe, Syrinx, Teísmo, Teófilo, Teodósio, Tessália, Velo de ouro. Leave a comment

AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passagens

VIII. EM TEMPO DE INDIGÊNCIA

● Sem deuses ● Nós ● Feitiço
● As ilhas do Egeu ● A ruína da Grécia
● Falamos de sombras (Democracia)
● Um início

/ENGLISH/ ARCHiPELAGOS • VIII. IN TIMES OF INDIGENCE

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • VIII. ΣΤΗΝ ΕΠΟΧΗ ΤΗΣ ΕΝΔΕΙΑΣ

ARCHiPELAGOS / Passagens: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

Hélia Correia: A Terceira Miséria & Indignação (excertos)

17. Sem deuses

– Hélia Correia / Amélia Muge
• Arranjo: A. Muge, António José Martins, Michales Loukovikas

Para quê, […] para que servem
Os poetas em tempo de indigência?

[…] sem deuses, sem o sentimento
Sequer da sua falta, nós nascemos,
E incapazes de lembrar, secando,
Sugando tudo, até aquilo que não
Nos serve de alimento, o que circula
Nas entranhas da terra, a sua linfa,
Essa que os argonautas ainda viram
Exsudar, como um sangue, dos rochedos
Quando tudo cantava e era ferido.

• Canto e voz ritmada: A. Muge / Coro: Maria Monda, A. Muge •
Contrabaixo: António Quintino / Percussão: José Salgueiro / Violino: Kyriakos Gouventas

Argo, de Konstantinos Volanakis

● Hélia Correia (nascida a 1949 em Lisboa) é uma escritora de romances, contos, sendo também dramaturga e poeta. Reinterpreta mitos helénicos dando destaque a heroínas como Antígona, Helena, e Medeia. Ganhou o Prémio Camões (2015), a distinção mais prestigiada do mundo Lusófono, que dedicou à Grécia, de onde vem a poesia, sem a qual não seríamos nem teríamos nada, como disse na entrega do prémio, concluindo com a exclamação Viva a Grécia! Além disso, é uma dupla pena que ninguém se tivesse interessado em publicar A Terceira Miséria na Grécia. Bem, é a quarta miséria que nos cabe! ● Argonautas: heróis da mitologia helénica que nos anos anteriores à Guerra de Troia (c. 1300 a.C.) acompanharam Jasão de Tessália na viagem a Cólquida, na costa do Mar Negro (actual Abkházia na Geórgia ocidental), em busca do Velo de ouro; o termo argonautas significa, literalmente, os marinheiros do Argo, nome dado ao navio em que viajam, em honra do seu construtor – Argos. Numa das suas aventuras, vão dar ao Monte Díndimo, lugar seco e rochoso, situado na Frígia (Ásia Menor); aí, por engano, acabam por matar os seus aliados e protegidos de Cibele (ou Reia) – deusa daquele lugar, da terra, da fertilidade, da montanha, a mãe de todos os deuses e de todos os seres, a Senhora de muitos nomes…; em sua homenagem e a título de pedido de perdão pelo erro, oferecem-lhe sacrifícios e a deusa, em reconhecimento, faz nascer do rochedo uma fonte de água cristalina (Fonte ou Nascente de Jasão) e à volta dela brotam ervas, flores e muitas outras plantas.

18. Nós

– Hélia Correia / Michales Loukovikas
• Arranjo: M. Loukovikas

Nós, os abandonados, os que não
Sabem sequer como aplacar
E a quem,
Nós, os emudecidos,
Irmanados com os sem-terra, nós,
Os futuramente esfomeados,
Bárbaros com os pés no alcatrão,
Bebedores de petróleo, como pode

De novo a praça,
A Ágora, juntar-nos?

• Canto: Amélia Muge / Coro: Maria Monda, A. Muge • Contrabaixo: António Quintino
Guitarra: Dimitris Mystakidis / Percussão: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo

● Ágora: praça central na antiga pólis helénica; literalmente significa assembleia ou ponto de encontro; começa por ser o centro da vida política, artística, espiritual e atlética da cidade; mais tarde, também funciona como pólo económico: um mercado com tendas ou lojas, atraindo artesãos que, à sua volta, constroem as suas oficinas. Desta dupla função da ágora – espaço político-económico – derivam dois verbos gregos: ἀγορεύω (agoreúō), falar em público, e ἀγοράζω (agorázō), comprar, ir às compras. É também origem da palavra agorafobia (receio mórbido de espaços largos, como ruas e praças, em especial de sítios públicos).

Uma representação imaginária da Ágora ateniense na época de Péricles

19. Feitiço

– Hélia Correia / Amélia Muge
• Arranjo: António José Martins, Filipe Raposo

Esses – que não existem
E nos deixaram assustados, sós,
Sem as ferramentas adequadas,
Sem pensamento,
Sem esses deuses temperamentais
Que tomavam partido nos combates.

Transformados em porcos, por feitiço,
Pela malevolência,
Exactamente
Como na Odisseia,
Não sabemos
– e os Gregos esqueceram –
Como é que tal feitiço
Se desfaz?

Circe Invidiosa, de John William Waterhouse

Experimentos
– Amélia Muge

Orelha de porco
Gato sapato
Olho de rato,
Um ramo torto
Metade do bico da cotovia

Rosmano mocho
Bago romã
Unha de coxo
Perna de rã
Língua da avó mas que seja torta

Pingo de cuspo
Pico do cacto
Escama de peixe
Pêlo de gato
Asas de mosca atadas num feixe

Uma nota preta
Um cheque careca
Moeda furada
Um arroto de banqueiro
O suor de um ano inteiro

• Canto, efeitos vocais, voz falada: A. Muge
• Percussão: José Salgueiro, A.J. Martins
Sintetizadores: F. Raposo

● Odisseia: ver Homero, em ARCHiPELAGOS • VII. ILHAS IMAGINÁRIAS.

●

20. As ilhas do Egeu

– Hélia Correia / Manos Achalinotópoulos, Amélia Muge
– Livre improviso:
Harris Lambrakis, M. Achalinotópoulos, A. Muge, Kyriakos Gouventas
• Arranjo: Michales Loukovikas

[…] Só mais tarde […]
O que desconhecia a mansidão […]
Se apercebeu do uivo que soltavam
As ilhas todas, com as suas praias
E os seus bosques vazios. […]

[…] Sim, foi essa
A primeira miséria, a deserção
Dos deuses. A segunda, a sua morte,
Já na morte de Pã anunciada
Pelo lamento dos bosques, o clamor
Lutuoso das ilhas do Egeu. […]

Para quê, […] para que servem
Os poetas em tempo de indigência?

• Voz falada: H. Correia / Canto: A. Muge / Improviso vocal: M. Achalinotópoulos, A. Muge
• Improviso instrumental: H. Lambrakis, ney; M. Achalinotópoulos, clarino; K. Gouventas, violino
Pedal: K. Gouventas, viola; António Quintino, contrabaixo; Catarina Anacleto, violoncelo

Pã e Syrinx (ou Sírinx e Siringe), de Jean François de Troy.

● Ilhas do Egeu: ver ARCHiPELAGOS • I. REVISITANDO O ARQUIPÉLAGO. ● Pã: nome originário do grego πάειν (páein, pasto), é o deus da natureza selvagem, de pastores e da música pastoral, de rebanhos e montanhas, companheiro das ninfas, ligado à fertilidade e à primavera; é também o deus da crítica teatral; temido pelos que atravessam florestas durante a noite, atribuem os pavores súbitos que os acometem, quando ouvem sons estranhos, de animais, a Pã (pânico); inventa um instrumento musical chamado Siringe, nome de uma ninfa que para fugir dos ataques amorosoa de Pã se transforma num canavial, a partir do qual ele cria a sua flauta, conhecida como siringe ou flauta de Pã; em versão egípcia, é a constelação do Capricórnio; com pernas e chifres de bode, Pã é uma figura significativa no movimento romântico nos séculos XVII a XIX, bem como nos movimentos neopagãos do século XX.

●

21. A ruína da Grécia

– Hélia Correia / Michales Loukovikas
• Arranjo: M. Loukovikas

Nós, os ateus, nós, os monoteístas,
Nós, os que reduzimos a beleza
A pequenas tarefas, nós, os pobres
Adornados, os pobres confortáveis,
Os que a si mesmos se vigarizavam
Olhando para cima, para as torres,
Supondo que as podiam habitar,
Glória das águias que nem águias tem,
Sofremos, sim, de idêntica indigência,
Da ruína da Grécia.

● Ateísmo: ausência e rejeição da crença na existência de divindades – de qualquer divindade; tem por oposição o teísmo, que acredita na existência de pelo menos um deus. A raiz etimológica da palavra ateísmo tem origem (séc. V a.C.) no grego ἄθεος (atheos), que significa sem deus(es). O termo actual aparece no séc. XVI. ● Monoteísmo: crença na existência de um único deus criador do mundo, onipotente, onisciente e onipresente; uma distinção pode ser feita entre o monoteísmo exclusivo e o monoteísmo inclusivo ou panenteísta que, apesar de reconhecer vários deuses distintos, postula alguma unidade subjacente. Distingue-se do henoteísmo em que, apesar de o crente adorar uma só divindade, admite a existência de outras com a mesma validade e adoração igualmente monolátrica.

• Canto: Amélia Muge / Coro: Maria Monda, A. Muge • Clarino: Manos Achalinotópoulos
Contrabaixo: António Quintino / Guitarra: Dimitris Mystakidis / Ney: Harris Lambrakis
Percussão: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo / Violino: Kyriakos Gouventas

22. Falamos de sombras (Democracia)

– Hélia Correia / Ludwig van Beethoven
• Adaptação / Arranjo: Michales Loukovikas

A Terceira Sinfonia (Eroica), Segundo Movimento, primeira parte
Marcia funebre, Adagio assai, Sotto voce (1804)

Sim, falamos de sombras. Vendo bem,
Incendiámos tudo: Alexandria
E os sábios, as mulheres, […]
O grande coração. Temos aos ombros
O apetrecho dos destruidores, […]:
Essa arrogância
Pela qual o ocidente se perdeu.

A terceira miséria é esta, […].
A de quem já não ouve nem pergunta.
[…] não recorda. E, ao contrário
Do orgulhoso Péricles, se torna
Num entre […] os que se entregam,
[…] que vão misturar-se como um líquido
Num líquido maior, perdida a forma,
Desfeita em pó a estátua.

Estão as praças,
Como ágoras de outrora, estonteadas
Pela concentração dos organismos,
Pelo uso da palavra, a fervilhante
Palavra própria da democracia […]

Monumento a Beethoven, de Francesco Jerace (1895)

• Canto: Amélia Muge / Coro: Maria Monda, A. Muge, Rui Vaz, José Manuel David, Pedro Casaes
• Clarinete: Kosmás Papadópoulos / Contrabaixo: António Quintino
Ney: Harris Lambrakis / Percussão: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo
Violino, viola: Kyriakos Gouventas / Violoncelo: Catarina Anacleto

● Ludwig van Beethoven (1770-1827): compositor e pianista alemão na transição entre o classicismo e o romantismo na música ocidental, e um dos mais famosos e influentes compositores do mundo. ● Sua Terceira Sinfonia (1804) foi inicialmente dedicada a (Napoleão) Buonaparte (título original da obra), por acreditar que incorpora os ideais democráticos e anti-monárquicos da Revolução Francesa; mas quando se auto-proclama imperador, retira-lhe a dedicatória; publicada em 1806, a partitura já se intitula Sinfonia Eroica, composta per festeggiare il sovvenire di un grande Uomo; informado da morte de Napoleão (1821), Beethoven diz: Compus para este acontecimento há 17 anos, referindo-se ao Segundo movimento: Marcia funebre (marcha fúnebre); Adagio assai (muito lento); Sotto voce (em voz baixa, sussurrado).

Hipátia, de Charles William Mitchell (1885)

● Alexandria: fundada por Alexandre o Grande por volta de 331 a.C., torna-se um importante centro da civilização helenística; é famosa pelo Farol (ilha de Faros), uma das Sete maravilhas da Antiguidade, e pela Grande Biblioteca, a maior da sua época, incendiada à vez por romanos, bizantinos e árabes embora não haja certezas quanto a estes últimos; os títulos, conservados sobretudo em rolos de papiro, seriam entre 40.000 e 400.000 na altura do seu apogeu, pelo que os sucessivos incêndios fazem dela símbolo de destruição do conhecimento intelectual e artístico; a Biblioteca fazia parte do Museu, instituição dedicada à investigação, onde estudaram muitos dos mais importantes pensadores da antiguidade como Arquimedes, Aristarco, Ctesíbio, Eratóstenes, Euclides, Heron ou Hiparco; depois da Biblioteca principal ter sido destruída, os estudiosos passam a usar uma biblioteca filha, noutro local da cidade: a biblioteca do templo Serapeu, dedicado a Serápis, protector de Alexandria. ● Em 391 d.C. o Serapeu e o remanescente da Grande Biblioteca são de novo pilhados e queimados, agora por soldados e por fanáticos cristãos, por ordem de um decreto do Imperador Teodósio e de outro do patriarca Teófilo. ● O “Grande Terror” em Alexandria atinge o seu climax em 415, com o brutal assassinato da filósofa, matemática e astrónoma Hipátia, instigado por “Santo” Cirilo, sobrinho e sucessor de Teófilo. Sócrates de Constantinopla, um historiador cristão contemporâneo, atesta, na sua História Eclesiástica, que Cirilo incitou uma multidão de 500 monges possuídos “de um ardor feroz e intolerante [… Eles] atacaram-na de surpresa [Hipátia] quando regressava a casa, arrastando-a da carruagem, levaram-na para uma igreja chamada Caesareum [o quartel-general de Cirilo], onde a despiram e assassinaram com óstraca [cacos de barro, fragmentos de cerâmica]. Depois de terem dilacerado e feito em pedaços o seu corpo, levaram os seus restos mortais para um lugar chamado Cinaron, onde os queimaram.”

Clístenes

● A democracia (δημοκρατία, poder do povo) foi concebida na Grécia clássica como um sistema de governo onde os cidadãos exerciam directamente o poder e não através de representantes. A primeira democracia do mundo foi estabelecida em Atenas em 508 a.C. sob a liderança de Clístenes, como um sistema directo e participativo, no qual era o colectivo de cidadãos (Eclésia) que votava na legislação e contas públicas, enquanto que os que eram escolhidos para o exercício de cargos faziam-no de forma colectiva. Esta selecção era feita por sorteio, não por eleição, para não favorecer os ricos, nobres, famosos, com escolarização , eloquentes ou bem parecidos. De facto, o sorteio era olhado como o meio mais democrático de impedir a compra corrupta de votos e dar aos cidadãos uma forma única de igualdade política. Dessa maneira, eram maior o envolvimento dos cidadãos na política, governando e sendo por sua vez governados, como escreveu Aristóteles. Como excepção à regra havia a eleição (não por sorteio) de dez generais – devido à sua experiência necessária em questões políticas e de guerra – e também daqueles que, provenientes das classes mais altas, lidavam com grandes somas de dinheiro: qualquer desfalque poderia ser recuperado de suas propriedades. O desprezo que os primeiros democratas sentem pelos que pensam apenas em privado nos seus assuntos é evidenciado pela palavra idiota, do grego ἰδιώτης – pessoa que não participa activamente na política. Péricles declara que nós não dizemos que um homem que não se interesse de todo por política é um homem que se mete apenas nos seus próprios assuntos; dizemos é que ele não tem aqui assuntos nenhuns a tratar. ● Péricles (c. 495-429 a.C.): estadista proeminente e influente, orador e general (estratega) entre as guerras persas e peloponense, cujo nome está ligado à Era de Ouro de Atenas; promove as artes e a literatura e estimula a evolução da democracia ateniense; num excerto da sua Oração Fúnebre, registada por Tucídedes (História da Guerra do Peloponeso), diz: A nossa politeia não copia as leis dos Estados vizinhos; somos nós que servimos mais como um modelo para os outros do que somos imitadores. Chama-se democracia, porque não são os poucos mas os muitos que governam. Se consultarmos nossas leis, elas prescrevem uma justiça igual para todos a despeito de suas diferenças individuais.

Oração Fúnebre de Péricles, de Philipp Foltz (1852)

23. Um início

– Hélia Correia / Amélia Muge
• Arranjo: António José Martins, Filipe Raposo

De que armas disporemos, se não destas
Que estão dentro do corpo: o pensamento,
A ideia de polis, resgatada
De um grande abuso, uma noção de casa
E de hospitalidade e de barulho
Atrás do qual vem o poema, atrás
Do qual virá a colecção dos feitos
E defeitos humanos, um início.

• Canto: A. Muge / Coro: Maria Monda • Contrabaixo: António Quintino / Ney: Harris Lambrakis
Percussão: José Salgueiro / Piano: F. Raposo / Violino, viola: Kyriakos Gouventas
Violoncelo: Catarina Anacleto

● Pólis, quer dizer, literalmente, cidade em grego, mas referindo-se mais ao conjunto dos cidadãos do que à área geográfica que ocupa; também pode significar cidadania. O termo helénico que se refere especificamente à totalidade dos espaços e edifícios urbanos é ἄστυ (ásty). Antes da Batalha de Salamina p.ex., os persas conseguiram ocupar a ásty de Atenas, mas não a pólis, porque os cidadãos embarcaram nos barcos da frota ateniense e partiram. Na historiografia moderna, usa-se o termo pólis para indicar uma cidade-estado grega, embora o termo seja inadequado. As poleis gregas não eram como as cidades-estado fenícias que eram governadas por um rei ou uma pequena oligarquia, sendo os seus habitantes meros súbditos. Assim, o termo pólis acabou por significar estado; derivado de pólis, politeia (πολιτεία) em helénico significa cidade, mas indicando também todos os procedimentos relativos à pólis o que, por extensão, poderia significar tanto cidade-estado como república, administração, governo, governação, comunidade, colectividade; já politeuma significa regime; para não mencionar a etimologia de política…

A Biblioteca de Alexandria durante o seu apogeu

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ARCHiPELAGOS • VII. ILHAS IMAGINÁRIAS

Posted by michales loukovikas on 2017/11/22

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AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passagens

VII. ILHAS IMAGINÁRIAS

● Uma ilha, Utopia ● Penélope de Ítaca
● Meninos perdidos

/ENGLISH/ ARCHiPELAGOS • VII. IMAGINARY ISLANDS

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • VII. ΝΗΣΙΑ ΤΗΣ ΦΑΝΤΑΣΙΑΣ

ARCHiPELAGOS / Passagens: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

14. Uma ilha, Utopia
Dedicado a Ares Alexandrou

– Amélia Muge
• Arranjo: António José Martins, Filipe Raposo

Nesse nome sem lugar / sem saber onde existir
está além sempre a mudar / a chamar e a fugir
tem qualquer coisa de achado / que nunca é encontrado.

Qualquer coisa de perfeito / entre o avesso e o direito
doce, amarga, quente e fria, / uma ilha…

Qualquer coisa que liberta, / que amarra, que magoa,
que escraviza, que alivia, / uma ilha com o nome de Utopia.

No mais absurdo desejo, / no mais escuro do escuro,
ou numa caixa vazia, / há uma ilha…

Que nos fala de uma casa / e do estranho em casa alheia
odisseia da ideia que criou a fantasia
dessa ilha com o nome de Utopia.

Eternizando horizontes / para lá dos horizontes
seja noite ou seja dia / há ao longe um nevoeiro
uma visão imprecisa / onde a própria miopia
é uma ilha com o nome de Utopia.

• Canto: A. Muge / Voz falada: Michales Loukovikas • Contrabaixo: António Quintino
Harpa: Ana Dias / Ney: Harris Lambrakis

●

Campos Elísios (Elíseos), de Carlos Schwabe (1903)

● Utopia: título do livro de Thomas More (1516) em que, numa ilha imaginária, cria um reino com um governo benigno, onde os problemas fundamentais da vida humana em sociedade estão resolvidos e onde impera a alegria, o bem-estar e a felicidade; o grego τόπος (lugar), conjugado com οὐ (não), é Utopia – não-lugar; com εὖ (bem), é Eutopia – bom lugar; em inglês, Utopia e Eutopia são palavras homófonas, pelo que o significado de Utopia se veio a colar a uma ideia positiva, distanciando-se do sentido inicial; o autor ainda refere Udepotia – lugar do nunca; já modernamente, aparece a palavra Distopia, com δυσ- (mau) – mau lugar ou anti-utopia. Seja ela sátira ao estado social da Europa do século XVI, ou idealização de um Estado e de um Governo, o que esta obra consegue é criar uma linguagem e uma disciplina reflexiva plasmada nas temáticas que aborda e na articulação entre elas; o recurso à alegoria e à construção simultaneamente narrativa e dialógica do texto, suporta o questionamento das relações com os outros e com o mundo; o bónus, é o nome para esses exercícios de reflexão sobre o humano, assente em três grandes questões: a igualdade absoluta; o amor à paz e à tranquilidade; o desprezo pelo ouro e a prata. É legítimo afirmar que o pensamento utópico é um dos motores mais poderosos de desenvolvimento das sociedades, mesmo antes de a palavra ter sido inventada, dita e escrita; a natureza da Utopia faz com que se desdobre em duas eternidades: a da procura e a da não-existência. Rafael Hitlodeu, aventureiro português, é o narrador desta Utopia. ● Thomas More, Thomas Morus ou Tomás Moro (1478- 1535): diplomata e homem de estado, advogado e homem de leis, filósofo e escritor, é considerado como um dos grandes humanistas do Renascimento; na sua obra literária – Utopia – não só encontra a palavra para um conceito que faz eco em todas as culturas letradas do mundo, como define os contornos de um disciplinado exercício de reflexão sobre o ser humano e as suas formas de organização social, a valer mais do que as propostas concretas que avança, naturalmente marcadas por ideias e contingências próprias da sua época.

● Ares Alexandrou (1922-1979): nasce em Petrogrado e morre em Paris; filho de pai grego e mãe russa, que lhe dão o nome de Aristoteles Vasiliades, é pelo de Ares Alexandrou que se torna conhecido como tradutor, poeta e romancista; em 1928 a família muda-se para a Grécia; durante a ocupação nazi, adere a um grupo de resistência da juventude comunista, que abandona pouco depois, por divergência não com os ideais, mas com as práticas; após a “libertação” da Grécia é detido pelos britânicos que o deportam com o pai para um campo de concentração na Líbia; mais tarde, apesar de não ter participado da Guerra Civil grega (1946-1949), mas por se ter recusado a negar as suas convicções políticas, é preso e enviado para as ilhas do exílio (no Egeu), sendo finalmente libertado em 1958. Por causa da ditadura que se instala na Grécia em 1967, decide mudar-se para Paris, afirmando-se sempre de uma esquerda não convencional (Eu pertenço ao não existente partido dos poetas). Trabalha toda a sua vida como tradutor: em primeiro lugar de russo, sua língua materna (torna-se um especialista em Dostoiévski) mas também de francês, inglês e outras línguas. É tudo menos um copioso escritor: quatro colecções de poemas posteriormente agrupadas num único volume; um livro – Sem papas na língua – com ensaios, estudos, textos críticos, peças, guiões para filmes e textos similares; alguns trabalhos dispersos publicados, como o relato histórico A revolta de Kronstadt; apenas um romance – A Caixa – a sua obra-prima, que se considera estar entre as mais prestigiadas dos modernos clássicos gregos. Os versos escritos nessas áridas ilhas do exílio, condensam o aspecto trágico da sua vida e obra: um comunista para os carcereiros (era como se denominava quando interrogado), um traidor para os companheiros de prisão. Mas como versejou, O cérebro não é uma barba. / Não deixes os padres / os governantes / os controleiros / fazer-ta. Apenas dois compositores trabalharam musicalmente os seus poemas: Michales Gregoriou (Cartas não entregues, 1977) e Michales Loukovikas (O ouro do céu, 2008). Este poeta foi cantado no trabalho conjunto de Amélia Muge e Michales Loucovikas, Periplus (2012): Nota ilegal, Canção de embalar, Os meus ditames.

Idade do Ouro, de Lucas Cranach o velho

15. Penélope de Ítaca

– Amélia Muge
• Arranjo: António José Martins, Filipe Raposo

Em surdina vai urdindo / malícias tão requintadas
que parada vai fugindo / desfaz as horas em nadas

Ao tear tece os seus dias / na trama das suas penas
ao tear desfaz as noites / no tecido dos seus ais

Se Ulisses tem o espaço / ela viaja no tempo
no ar dos seus movimentos / lançadareira por volante

A bordo desse navio / que é o seu tear errante
lá vai de fio a pavio / para trás e p’ra diante

É nos fios desta teia / onde o tecido é a ideia
de uma história aonde a espera / se tece andando no mar
mas ao leme de um tear

Avançar e estar parado / trabalhar sem se passar
deste ponto desta trama / dias, meses, muitos anos
estar sempre a recomeçar

Foi o tempo como um pano / tecido desta maneira
em Penélope esperando / viajou tanta canseira

Tanta determinação / que aqui estará a diferença
entre esperar por Ulisses / ou por D. Sebastião

• Canto: A. Muge • Contrabaixo: António Quintino / Ney: Harris Lambrakis
Percussão: José Salgueiro / Piano: F. Raposo / Violoncelo: Catarina Anacleto

●

Homero

● Homero (Ὅμηρος, segunda metade do séc. VIII – início do séc. VII a.C.): personagem lendária, possivelmente um bardo cego da Jónia (Ásia Menor), poeta de génio e um não menos genioso compilador de rapsódias de tradição oral, recolhidas junto dos aedos e do próprio povo do período heroico grego, anonimamente transformadas ao longo do tempo até chegar às suas mãos. É autor da Ilíada (alguns meses do último ano da Guerra de Trοia) e da Odisseia (sobre os dez agitados anos do nostos – regresso a casa – de Odisseu, após outros dez de envolvimento na guerra). Esses poemas épicos são centrais da literatura, cultura e educação gregas, com notável influência na civilização ocidental, inspirando muitos trabalhos de escritores, músicos e artistas plásticos. ● Odisseu (Ὀδυσσεύς), conhecido por Ulisses entre os romanos, bem como entre os portugueses (lenda da fundação de Lisboa): lendário rei de Ítaca e herói da Odisseia de Homero, desempenha um papel fundamental no épico homérico anterior (Ilíada) e ainda noutras obras do Ciclo Épico. Cônjuge de Penélope a Fiel, é-lhe atribuído o epíteto Odisseu o Astuto (μῆτις, inteligência astuta), pelo brilhantismo intelectual, astúcia e versatilidade (πολύτροπος). ● Por causa de tão longa ausência, em Ítaca presume-se que morreu e a sua esposa, Penélope, tem de lidar com um grupo de insolentes e importunos candidatos a novo casamento; estabelece então a condição de, antes de casar, terminar de tecer um sudário para o sogro; mas durante o dia tece o que à noite, sozinha, desmancha; traída por uma das servas, arranja outro estratagema: sabendo da dureza do arco do seu marido, põe a condição de só casar com aquele que o conseguisse encordoar; de todos, o único capaz de o fazer, foi um humilde camponês, que logo se apresentou, revelando ser o tão esperado Odisseu. ● D. Sebastião, rei de Portugal (1554-1578): nasce 18 dias depois da morte do pai, único príncipe herdeiro do trono; por contrato de casamento de sua tia paterna com Filipe II de Espanha, Portugal passaria a ser regido por Espanha (ideia desde sempre rejeitada pelos portugueses) caso não houvesse um sucessor; assim, já é o Desejado, mesmo antes de nascer, assegurando em simultâneo a independência do seu reino. Quando aos catorze anos assume o governo, empenha-se em resolver o problema da defesa das costas portuguesas, revivificando a ‘Reconquista’ do período do Al-Andaluz (722-1492); ao pedido de ajuda do quarto sultão de Marrocos para recuperar o trono e travar o crescimento do império otomano, responde planeando uma cruzada, para o que monta um esforço militar naquele território; ser dado como desaparecido em combate na desastrosa Batalha de Alcácer-Quibir (1578), gera uma crise dinástica que culmina na perda da independência para Espanha (1580-1640); a derrota e o desaparecimento do ‘menino-rei’, em quem o reino tanta esperança deposita, acrescentam-lhe os cognomes de Encoberto e Adormecido e dão lugar ao mito do Sebastianismo: lenda, crença ou movimento profético (finais do séc. XVI) que se refere ao regresso de D. Sebastião, numa manhã de nevoeiro, para cumprir a tarefa iniciada com o seu nascimento, ou seja, salvar a nação; esta espera é marcada por uma espécie de esperança passiva, paciente e resignada às suas próprias exigências, que de certo modo caracteriza, mais do que uma das formas de ser e estar dos portugueses, uma atitude que se pode manifestar noutras culturas, ou integrar outros mitos.

Penélope e os pretendentes, de John William Waterhouse (1912)

16. Meninos perdidos

– Amélia Muge / Tradicional da Trácia, A. Muge
• Arranjo: António José Martins, Michales Loukovikas

Meninos o tanas, / já somos crescidos
o tempo engana / nestes paraísos
a idade confusa / vê-nos pequeninos
e a gente refila, / nada agradecidos

Perdidos, é certo, / nós continuamos
mas antes perdidos / que cheios de tretas
e dessas certezas / que nos põem todos
cegos e manetas, / surdos e pernetas

Nunca obedecemos / ao teu “tem de ser”!
nem dormimos cedo
damos cambalhotas / a espantar o medo

Nunca nunca nunca
nunca digas sim, / nunca digas não
sem saber porquê, / só por distração

Ele há cada cara / de nariz emproado
não olha de frente, / só olha de lado
se aquilo que dizes / nada tem de meu
vai perder teu tempo / noutro que não eu

• Canto: A. Muge / Coro: Maria Monda, A. Muge • Acordeão: Filipe Raposo
Clarino: Manos Achalinotópoulos / Contrabaixo: António Quintino / Ney: Harris Lambrakis
Percussão: José Salgueiro / Violino: Kyriakos Gouventas

●

● Meninos Perdidos: personagens da Terra do Nunca de J. M. Barrie; essa terra é uma ilha fictícia, um local fantástico que parece misturar as características de três lugares: de não-lugar (Utopia), de bom-lugar (Eutopia), de lugar do nunca (Udepotia). Peter Pan e os Meninos Perdidos recusam-se a crescer e a Terra do Nunca, no seu conjunto, é uma metáfora da eterna infância (manter a capacidade de ser curioso, de se maravilhar), da imortalidade (fugir à morte), do escapismo (escapar ao sofrimento); mas ali, igualdade, fraternidade e liberdade são valores gémeos da imaginação, da fantasia e da criatividade. ● James Mathew Barrie (1860-1937): escritor e dramaturgo escocês, escreve numerosos livros de histórias e peças de teatro; a sua criação mais célebre é Peter Pan, o menino que as fadas criaram, personagem principal da obra Neverland (Terra do Nunca) ou The boy who wouldn’t grow up, ou ainda Terra do nunca nunca, escrita para teatro e mais tarde publicada em livro. Os Meninos Perdidos são outras das personagens desta história, tal como Sininho, Wendy ou o Capitão Gancho. Ainda em vida, doa os direitos de autor desta obra ao Great Ormond Street Hospital for Children, de Londres.

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AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passagens

V. CANSAÇO DE SER

● Sono de ser ● The Hours (As horas)

/ENGLISH/ ARCHiPELAGOS • V. WEARINESS OF BEING

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • V. Η ΚΟΠΩΣΗ ΤΟΥ ΕΙΝΑΙ

ARCHiPELAGOS / Passagens: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

09. Sono de ser

– Fernando Pessoa / Amélia Muge
• Arranjo: Filipe Raposo

Bóiam leves, desatentos,
Meus pensamentos de mágoa
Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.

Bóiam como folhas mortas
À tona de águas paradas.
São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.

Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se pára, se flui;
Não sei se existe ou se dói.

• Canto: A. Muge • Piano: F. Raposo

Fernando Pessoa, o… ortónimo. Serigrafia de Júlio Pomar.

●

● Fernando Pessoa (1888 – 1935): poeta, escritor, filósofo, ensaísta, crítico literário, dramaturgo, tradutor, editor, publicitário… é descrito como uma das figuras literárias mais significativas do séc. XX, o mais universal e um dos maiores poetas portugueses. Também escreveu em inglês e francês. Escritor prolífico, incorpora dezenas de outros eus, não os chamando de pseudónimos (cujo conceito sente que não capta a vida intelectual independente de cada um deles) mas sim de heterónimos; sendo quatro os que deixaram obra mais significativa e que são mais estudados (Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares), mostram modos de sentir, de ver e de escrever completamente diferentes uns dos outros; como diz Robert Hass, poeta americano: “Outros modernistas, como Yeats, Pound, Elliot, inventaram máscaras pelas quais falavam ocasionalmente… Pessoa inventava poetas inteiros.”

Pessoa, de José de Almada Negreiros

10. The Hours / As horas

– Fernando Pessoa (poesia inglesa) / Michales Loukovikas
• Arranjo: M. Loukovikas

As horas, estão fartas de ser horas.
Tudo menos isto! dizem.
Não mais, envelhecer crianças, flores e esperanças,
Tirar côr aos lábios e ao cabelo.

Degradam, escurecem e matam o belo.
Ao passar e a olhar p’ra trás,
Veem deitado o já acabado
Só choro encontram lá.

Assim, dizem, querer ser outra coisa!
Pois julgam saber
Que tudo o que elas levam
Morreu realmente.

O que elas ignoram, ao ir tão cegas
É que o roubo é fingido,
Tudo o que é real tem Outro Sentido –
Ai, mesmo o próprio Deus.

• Adaptação para português de Amélia Muge

• Canto: Amélia Muge / Coro: M. Loukovikas, Maria Monda, A. Muge
• Caixa de música: Antonio José Martins / Clarino: Manos Achalinotópoulos
Contrabaixo: António Quintino / Ney: Harris Lambrakis / Percussão: José Salgueiro
Piano: Filipe Raposo / Relógios: M. Loukovikas / Vibrafone: Kostas Hanís
Violin, viola: Kyriakos Gouventas

Homenagem a Fernando Pessoa, de Luis Badosa
(Catalunya, 1944)

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AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passagens

IV. PENAS DE AMOR O QUE SÃO?

● A tentação ● Dédyke a selánna
(Lua desceu, mergulhou)

/ENGLISH/ ARCHiPELAGOS • IV. WHAT IS TO SUFFER FROM LOVE?

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • IV. ἜΡΟΣ, ΓΛΥΚΥΠΙΚΡΟΝ ὌΡΠΕΤΟΝ

ARCHiPELAGOS / Passagens: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

07. A tentação

– Hélia Correia / Amélia Muge
• Arranjo: Filipe Raposo

Dizei minha mãe, contai-me / Como é feita a tentação?
Será pessoa malina / Que me espreite numa esquina
E me tome o coração?

Que cuidados, que canseiras / Que portas aperreadas
Ai senhora, que há la fora / Que nos tem aqui cercadas?

Que malas artes se escondem / Sob uma saia comprida?
O que há dentro de mim / Que me faz correr assim
Como que um perigo de vida?

Dizei minha mãe, contai-me / Penas de amor o que são?
Se são penas de penar / Se nos levantam no ar
Como as garras de um falcão?

Se há um beco sem saída / Onde fica a sua entrada?
Ó mãe, contai-me um segredo / Que eu nem sei se tenho medo
Ou se tremo de apressada?

• Canto: A. Muge • Contrabaixo: António Quintino / Piano: F. Raposo

●

● Hélia Correia: ver ARCHiPELAGOS • VIII. EM TEMPO DE INDIGÊNCIA.

Hélia Correia

08. Dédyke a selánna / Lua desceu mergulhou
Fragmentos: A lua baixou, Sentidos divididos, Eros
(também adaptados para português por Amélia Muge)

– Safo / Michales Loukovikas
• Adaptação / Arranjo: M. Loukovikas

Lua desceu mergulhou
vão-se as Plêiades, é tarde
a noite avançou, já não ’spero nada,
sózinha aqui deitada.

Em mim a ralhar
duas razões a qu’rer ganhar.

Amor, amor me faz assim tremer,
cobra de amargo mel que não sei vencer.
Amor, amor arrasa feito vento,
que quando passa deixa tudo desfeito.

Safo, fresco, Pompeia

• Canto: A. Muge / Coro: Rita Maria, Catarina Anacleto, Maria Monda, A. Muge •
Clarino: Manos Achalinotópoulos / Contrabaixo: António Quintino / Guitarra: Dimitris Mystakidis
Ney: Harris Lambrakis / Percussão: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo
Violino: Kyriakos Gouventas / Violoncelo: C. Anacleto

●

Safo, por Charles Mengin (1877)

● Safo (c. 630 – c. 570 a.C.): Psappha em dialecto eólico, nativa de Lesbos, a maior poetisa lírica da Grécia arcaica, frequentemente chamada de a Poetisa (tal como Homero era chamado de o Poeta), enquanto Platão a saúda como a décima Musa; embora a sua poesia seja conhecida e muito admirada na antiguidade, a quase totalidade das suas antologias sobreviveu apenas em fragmentos, sobretudo por terem sido queimadas pelas autoridades eclesiásticas da Igreja cristã, que desaprovava a sua moral. ● Plêiades: as nove estrelas (sete filhas e seus pais) que fazem parte da constelação do Touro; arquipélago de estrelas, é um dos grupos estelares mais próximos da Terra e o mais óbvio, mesmo a olho nu, em ambos os hemisférios. O nome das sete irmãs divinas (o Sete-Estrelo português) vem do antigo helénico, provavelmente de πλέειν (pléein, navegar), talvez devido ao papel que desempenhavam na delimitação da temporada de navegação no mar Mediterrâneo. ● Eros: o principal dos Erotes – filhos alados de Afrodite que dominam as várias facetas do amor – é o deus do amor incondicional, da união, da afinidade, da procriação. Alguns mitos também se referem a Eros como um deus primordial, força de junção e união, ao contrário de Caos (o primeiro a surgir no universo, a mais antiga das formas de consciência divina), força de catabolismo que gera por cisão.

●

● Dédyke a selanna (Lua desceu mergulhou): tema resultado da conjugação de três de poemas de Safo, de que se conhecem apenas fragmentos; Dédyke a selanna é também alvo da análise de Cornelius Castoriadis, aqui adaptada e apresentada em jeito de chaves de leitura:

Notas sobre alguns recursos poéticos
Não publicados (excertos)

– Cornelius Castoriadis

Safo na hora de ir dormir, de Charles Gleyre

Dedyke, do verbo dyō, significa mergulhou. Na Grécia, com as suas 200 ilhas habitadas e cerca de 15 mil quilómetros de litoral, o sol, a lua e as estrelas não se põem: mergulham. Selanna é a lua, claro. Mas para um grego, selanna sugere imediatamente selas [aurora polar], luz. Quando Safo fala é meia-noite, a lua e as Plêiades já mergulharam. Esta indicação seria suficiente para datar a redacção do poema: é primavera, ou melhor, início da primavera, pois é quando as Plêiades se põem antes da meia-noite. Sem esforço, vê-se o céu noturno a girar, a lua e as Plêiades já se puseram e esta mulher, talvez apaixonada por alguém que ali não está, ou até nem apaixonada, mas de qualquer maneira cheia de desejos, no meio da noite, fala da tristeza que é estar sózinha na cama, incapaz de adormecer… Safo está deitada, e a ōra passa. O que é ōra [hōra noutros dialetos gregos]? O tradutor naturalmente toma hōra por hora, devido a essa raiz grega e por via do latim. Mas como já acontecia em Homero, hōra, em grego, também significa estação do ano na acepção de momento apropriado e esse sentido persiste através dos tempos Alexandrinos e Bizantinos. Na altura em que alguma coisa atinge o máximo da sua bondade e beleza, hōra também se aplica para dizer que está na sua hora. Para os seres humanos, essa hōra é o auge da juventude. Então o que diz Safo? A Lua e as Plêiades / mergulharam, é o meio / da noite; estação, hora, mocidade vão-se / e eu deito-me na cama sozinha. A força do poema assenta precisamente nesta palavra, ōra, que conjuga vários significados. É primavera – o tempo dos amantes – as horas correndo e a juventude de Safo passando em vão, pois não tem ninguém consigo, no seu leito…

● Castoriadis (1922-1997): grego, com cidadania francesa, filósofo, economista, crítico social, pensador político, psicanalista, renomado sovietologista, e grande conhecedor da cultura da Grécia Antiga; considerado como um dos maiores expoentes da filosofia do século XX, é cofundador da lendária revista-grupo Socialisme ou Barbarie (1948-1967), de grande influência na altura dos acontecimentos do Maio de 68, em Paris; é reconhecido como um filósofo da autonomia por ser um teórico e grande defensor do conceito de autonomia política, que desenvolve ao longo de toda a sua vida.

>> ARCHiPELAGOS • V. CANSAÇO DE SER

<< ARCHiPELAGOS • III. MACARONÉSIA

Imagem do céu num disco em bronze de Nebra, Alemanha, uma das mais antigas representações conhecidas do cosmos (1600 a.C.). As Plêiades estão na parte superior direita.

AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passagens

III. MACARONÉSIA
(Macárōn Nẽsoe: Ilhas afortunadas)

● Ali no meio do mar ● Dança do trigo
● Um gingado lamento

/ENGLISH/ ARCHiPELAGOS • III. MACARONESIA

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • III. ΜΑΚΑΡΟΝΗΣΙΑ

ARCHiPELAGOS / Passagens: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

04. Ali no meio do mar

– Tradicional das Canárias e Açores, Amélia Muge
• Arranjo: António José Martins, A. Muge

“Yo fui nacido en el mar / y mi padrino fué un sargo
y si yo bargo o no bargo / mi padrino lo dirá.”

Parecem sair do nada / ali no meio do mar
traçadas p’la mão das ondas / o que estarão a contar
bailando constroem rondas / de partir e de chegar.

Macaronésia …

É terra que se dizia / estar p’ra lá do fim do mundo
arquipélagos de lava / de medos, sustos, segredos
mas também terra de amores / com seus ais e seus calores.

Mariana da Madeira / sua mãe é argentina
quando visita as Canárias / traz pulseira marroquina.

“Rema que rema / lanchinha dos Açores
Rema para lá lanchinha.
Rema que rema / lanchinha de quatro remos.”

• Canto: A. Muge / Coro: Maria Monda, A. Muge • Braguesa: A. Muge
Clarino: Manos Achalinotópoulos / Contrabaixo: António Quintino / Ney: Harris Lambrakis
Percussão: José Salgueiro, A. Muge / Piano: Filipe Raposo / Violino: Kyriakos Gouventas

●

● Macaronésia: região que resulta do agrupamento de quatro arquipélagos do Atlântico norte, situados frente às costas africana e europeia; é constituída por Açores e Madeira (Portugal), Canárias (Espanha) e Cabo Verde; o nome, que deriva do termo helénico Μακάρων Νῆσοι (Macárōn Nẽsoe, Ilhas Afortunadas ou Ilhas dos Bem Aventurados, presentes nas mitologias grega e céltica), é usado pelos antigos geógrafos para designar as ilhas a oeste do Estreito de Gibraltar (Pilares de Hércules), também chamadas de Elísias; para o poeta grego Hesíodo, estas ilhas eram a materialização dos Campos Elísios, um paraíso na terra, sem inverno, habitado pelos heróis; constava que estes campos se situavam no Oceano ocidental, perto da circular do Rio Oceano (na antiga cosmogonia grega, um extraordinário fluxo de água que circundava o disco plano da terra, fonte de toda água); estas illhas são mencionadas como correspondendo àquela descrição; Estrabão identificou-as como sendo as ilhas das Hespérides (deusas primitivas primaveris, que representam o espírito fertilizador da natureza, donas do jardim com o seu nome, situado no extremo ocidental do mundo).

O Jardim das Delícias Terrenas, de Hieronymus Bosch (tríptico)

05. Dança do trigo

– Tradicional das Canárias, Amélia Muge
• Arranjo: António José Martins, A. Muge

“Don Juan Periñal tiene un arenal
un grano de trigo lo quiere sembrar
lo siembra en la cumbre lo coge en la mar.”

Macaronésia …

“Ansina lo siembra lo labra lo carga
y ansina me enseña mi amor a danzar,
ansina lo aventa lo muele lo come
y ansina me enseña mi amor a danzar.”

Um dragoeiro perdido / no coro da ventania
voou afundou no mar / sabe-se lá o que ouvia
será que foi a Cesária / a razão de querer voar.

Macárōn Nẽsoe…

• Canto: Rita Maria, A. Muge / Coro: Maria Monda, A. Muge, Michales Loukovikas •
Clarino: Manos Achalinotópoulos / Contrabaixo: António Quintino / Ney: Harris Lambrakis
Percussão: José Salgueiro, A. Muge / Piano: Filipe Raposo / Violino: Kyriakos Gouventas

Dragoeiro (Dracaena draco)

●

● Dragoeiro – do grego δράκαινα/δράκος (dragão fêmea/macho), árvore do dragão, dracaena draco (nome científico): planta nativa dos arquipélagos da Macaronésia, de origem antiquíssima (considerada um fóssil vivo); chega a viver centenas anos e a atingir grandes dimensões; a sucessiva destruição do seu habitat torna-a cada vez mais rara sobretudo na Madeira e nos Açores, embora ainda seja relativamente comum nas Canárias (é símbolo da ilha de Tenerife); em Cabo Verde existe sobretudo na ilha de S. Nicolau. As cascas e as folhas, quando cortadas, secretam uma resina translúcida que, ao oxidar, fica cor de sangue e que é uma das fontes de dracenina – sangue de dragão – substância usada para diversos fins como por exemplo para tingir a madeira dos violinos Stradivarius. Diz uma antiga lenda que os dragões, ao morrer, se transformavam nestas belas e misteriosas árvores, que assim deles herdavam os seus místicos poderes. ● Cesária Évora (1941-2011): a mais famosa cantora cabo-verdiana; conhecida como Rainha da Morna e também, por cantar sem sapatos, Diva dos pés descalços; actua desde muito jovem, mas faz uma interrupção de dez anos logo a seguir à independência de Cabo-Verde; aos 47 anos, depois da gravação de um segundo álbum em Paris, torna-se conhecida e reconhecida em todo o mundo; grava cerca de 25 álbuns e colabora noutros; entre as várias homenagens que recebeu destaca-se a medalha portuguesa da Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, um Grammy (2004, melhor álbum de world music contemporânea) e a medalha da Legião de Honra francesa (2009). ● Morna: considerada símbolo nacional de Cabo Verde, é o único género de música e de dança tradicional que consegue ser largamente transversal a grupos etários, época, ilha de origem, classe social ou gosto pessoal; é muitas vezes acompanhada de cavaquinho, clarinete, acordeão, violão, piano e guitarra.

Cesária Évora numa nota de 2000 escudos de Cabo Verde

06. Um gingado lamento

– Amélia Muge
• Arranjo: Michales Loukovikas, António José Martins

Sempre que a morna soa / há uma voz que vem
cantar a terra como magoa / estar longe dela também.

Sempre que a morna soa / há uma voz que vem
cantar a terra, sua beleza / essa riqueza que tem.

Cesária canta na chuva, / e a terra seca sonha,
Cesária canta no vento, / o seu gingado lamento.

Deixai passar…

• Canto: A. Muge / Coro: Maria Monda, A. Muge • Contrabaixo: António Quintino
Guitarra: Dimitris Mystakidis / Ney: Harris Lambrakis / Percussão: José Salgueiro, A. Muge
Piano: Filipe Raposo / Violino: Kyriakos Gouventas

A espiral e a estrela, símbolos dos Guanches, habitantes aborígenes das Canárias relacionados com os berberes

>> ARCHiPELAGOS • IV. PENAS DE AMOR O QUE SÃO?

<< ARCHiPELAGOS • II. CANTOS DA ARGILA

ARCHiPELAGOS • I. REVISITANDO O ARQUIPÉLAGO

Posted by michales loukovikas on 2017/11/17

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AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passagens

I. REVISITANDO O ARQUIPÉLAGO

● O arquipélago
(Está Jónia em flôr? Onde está Atenas?)
● Katolophýromae (É tão profunda a dor)

/ENGLISH/ ARCHiPELAGOS • I. THE ARCHIPELAGO REVISITED

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • I. ΕΠΙΣΤΡΟΦΗ ΣΤΟ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ

ARCHiPELAGOS / Passagens: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

01. O arquipélago
a. Está Jónia em flôr? – b. Onde está Atenas?
(1800-1801, excertos)

– Friedrich Hölderlin (adaptação para português: Amélia Muge)
/ a. Tradicional do Egeu – b. Michales Loukovikas
• Arranjo: M. Loukovikas, António José Martins

Está Jónia em flôr?

Estão as garças de regresso à tua porta? Retomaram
Os barcos seu curso até às tuas costas? Já acalmaram as ondas
Na respiração das brisas por nós tão aguardadas? […]
Está Jónia em flôr? Está na altura? […]

Onde está Atenas?

Diz, onde está Atenas? Talvez por cima das urnas dos mestres
A tua amada cidade
[…] afundou-se por completo por entre as cinzas?
Resta ainda algum sinal dela, para que o marinheiro
De passagem a possa mencionar ou lembrar? […]

O deus délfico silenciou, os caminhos são longos
Desolados e sós […]

• Voz falada: Maria José & A. Muge / Coros: Cramol, Maria Monda, Teresa Campos
• Clarino: Manos Achalinotópoulos / Contrabaixo: António Quintino / Guitarra: Dimitris Mystakidis
Guitarra portuguesa: Ricardo Parreira / Ney: Harris Lambrakis / Piano: Filipe Raposo
Violin, viola: Kyriakos Gouventas / Violoncelo: Catarina Anacleto

●

Friedrich Hölderlin, por Johanna Ebertz (1979)

● Friedrich Hölderlin (1770 – 1843): poeta lírico e romancista alemão, conhecedor e admirador profundo da cultura grega antiga, tradutor exímio de algumas obras de grego para alemão, consegue sintetizar o espírito da Grécia Antiga e o seu panteísmo com uma versão não ortodoxa do cristianismo. A sua obra, largamente desconhecida até bem depois da sua morte, merece hoje destaque mundial, sendo citado por diversas áreas. Pallaksch é um neologismo que Holderlin gostava de repetir, carregado de indizível e de inacessível, próprios da crença no mistério da linguagem que, se devidamente evocada e convocada, mostra uma fração do que o espírito oculta; é essa crença que O arquipélago – o seu poema mais longo (296 versos hexâmetros) escrito em 1800-1801 – também traz à tona. Ali sublinha a sua esperança de que a cultura humana e a natureza divina – harmoniosamente entrelaçadas nas poleis gregas, especialmente em Atenas – dolorosamente esmagadas no presente, voltarão, juntas, a florescer no futuro. ● Egeu: mar localizado entre as penínsulas da Grécia e da Anatólia (Ásia Menor). A origem do seu nome perde-se no tempo; entre outras explicações encontra-se o caso de nele se ter afogado Egeu (rei de Atenas, pai de Teseu), ou Egea (rainha das Amazonas); outra, está numa derivação da palavra grega αἶγες (aiges, cabras), usada como metáfora de ondas, a que se liga a ideia de mar ondulado. Conhecido como o arquipélago (αρχιπέλαγος, o grande mar), o termo acabou por significar as Ilhas do Egeu, dada a notável quantidade de ilhas que o povoam; o seu uso leva a que passe a designar qualquer grupo de ilhas. ● Jónia: antiga região no centro litoral da Ásia Menor (oeste), recebe o nome dos Jónios, uma das quatro maiores tribos helénicas que, entre os séculos XI e IX a.C., ocuparam as costas e as ilhas do mar Egeu. ● Atenas: pólis helénica (cidade-estado), um centro artístico, estudantil e filosófico no período clássico; é vista como o berço da civilização ocidental e o lugar do nascimento da democracia, estabelecida em 508 a.C. ● Délfico: de Delfos, antiga cidade grega e o mais importante local de culto a Apolo (o deus délfico) cujo oráculo era consultado para a tomada de importantes decisões durante o mundo grego antigo.

Ruínas do Santuário de Atena em Delfos

02. Katolophýromae / É tão profunda a dor

– Eurípides • Tragédia “Orestes” (408 a.C., fragmentos)
• Adaptação / Arranjo: Michales Loukovikas

Estrofe

[…] eu a implorar, eu a implorar,
em pleno céu aberto como setas lançais
castigos pelo sangue, castigos pelo crime,
deixem que o pobre filho
de Agamemnon esqueça o seu desatino,
sua loucura, tão obsessiva. Tentando em vão,
ó pobre criatura, rastejar p’lo chão […]

Antístrofe

[…] é tão profunda a dor,
é tão profunda a dor.
Esse materno sangue, põe-te num desvario?
A ventura não vem todo o tempo aos mortais.
Como a vela que está,
num barco tão veloz por um deus sacudido
atormentado, tão agitado por pavores
num furioso mar de desastrosas ondas. […]

• Adaptação para português de Amélia Muge

• Canto: M. Loukovikas / Coro: Amélia Muge, M. Loukovikas, Andreas Karakotas,
Manos Achalinotópoulos • Clarino: M. Achalinotópoulos / Contrabaixo: António Quintino
Ney, flauta de bisel: Harris Lambrakis / Percurssão: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo
Violin, viola: Kyriakos Gouventas

●

Eurípides

● Eurípides (c. 480-c. 406 a.C.): o mais novo dos três grandes trágicos gregos da Atenas clássica, depois de Ésquilo e Sófocles.● Katolophýromae: uma anotação musical que nos chegou fragmentada, para uma passagem da tragédia de Orestes (a antístrofe do primeiro estásimo, linhas 338-344). Foi encontrada num papiro em Hermópolis, Egipto (colecção do arquiduque Rainer Ferdinand da Áustria) e publicado em 1892 (Papiro G 2315 de Viena). É datado como sendo do século III a.C. pelo que se mantém em aberto a questão de saber se o fragmento representa a música original de Eurípides. Algumas evidências indiciam no entanto que a melodia aí registada poderia ter sido composta muito antes: Eurípides é famoso pelo seu espírito inovador e o fragmento está de acordo com a complexidade do seu estilo; outro argumento a favor da sua autenticidade provém da legítima suposição de que os músicos e musicólogos da era helenística poderão ter copiado e reproduzido as obras musicais clássicas, tal como os bibliotecários e os gramáticos fizeram com a literatura. ● De acordo com Plutarco, nos seus relatos sobre Nícias e Lisandro (Vidas Paralelas), foi a música de Eurípides (não a de Ésquilo, Sófocles ou Aristófanes) que salvou muitos atenienses, e a própria Atenas, durante a Guerra do Peloponeso. Depois da Expedição à Sicília, desastrosa para os atenienses (415 – 413 a.C.), muitos deles, feitos prisioneiros, salvaram-se porque sabiam cantar Eurípides; as suas canções vanguardistas eram muito apreciadas pelos Helenos – com excepção, talvez, de Aristófanes!(*) Em 404 a.C., depois da derrota de Atenas, os vitoriosos generais espartanos reuniram para decidir o destino da pólis. Concluíram que devia ser arrasada e os seus habitantes feitos escravos. Porém, durante as celebrações da vitória, alguém cantou uma ode da Electra de Eurípides. Os generais ficaram tão comovidos que mudaram de ideia: Seria uma barbaridade destruir a cidade onde tinham nascido homens de tal calibre… Estes relatos credibilizam argumentos a favor da autenticidade: teria sido natural copiar composições tão apelativas como Katolophýromae. ● Na minha abordagem optei por: a) repetir as notas existentes, nas partes de discurso musical semelhante, mas incompleto, em vez de preencher o vazio com invenções pessoais; b) apresentar não apenas a antístrofe mas também a estrofe; c) criar um balanço entre monofonia e polifonia; e desejando que Eurípides tivesse sorrido e aplaudido, aprovadoramente, apesar das pedradas atiradas por Aristófanes, Platão, e os éforos espartanos!

(*) É de facto significativo que, naquele tempo, a música popular fosse avant-garde! Não é necessário referir que o nível cultural dos cidadãos era altissimo…

Orestes de Eurípides: Katolophyromae, a antístrofe
do primeiro estásimo (Papiro G 2315 de Viena)

● Agamemnon (Ἀγαμέμνων): rei de Micenas, conduz os helenos aos dez anos da Guerra de Troia, ocorrida algures no período entre 1260 e 1180 a.C; é obrigado a sacrificar a filha, Ifigénia, para que a sua frota viaje a salvo; no regresso, é assassinado a mando da esposa Clitemnestra (entre outras razões, para se vingar da morte da filha); por sua vez o filho, Orestes, assassina a mãe para vingar o pai, acto que o leva à loucura, sendo por isso objecto de vários mitos e peças de teatro. Ele encontra afinal a sua irmã viva em Táuris ou Táurica (Crimeia), para onde foi levada por Artemisa, que no último momento intervém, salvando-a. Eurípides escreve duas tragédias relacionadas com esta: Ifigénia em Áulide, onde o sacrifício ocorreu, e Ifigénia em Táuris. ● Tragédia (Τραγῳδία): no grego antigo τραγῳδία (tragodía, tragédia), é composta das palavras τράγος (trágos, bode) e ᾠδή (ode), resultando algo como ode ou canção dos bodes (ou dos sátiros, criaturas masculinas meio homens, meio bodes, parceiros itifálicos de Dioniso e por vezes de Pã); τραγούδι (tragoudi), derivado de tragédia, significa canção no grego moderno. Como forma de drama é marcada pelas características de seriedade, elevação e dignidade dos temas; apesar das suas origens obscuras, existe uma relação entre a tragédia e os ditirambos – cantos e danças em honra de Dioniso (ou Baco). ● Coro (χορός): grupo de artistas que, numa tragédia, dança, canta ou diz as suas falas em uníssono (coro, em grego, também significa dança, tropa, ou um lugar para dançar – em que é sinónimo de orquestra). Os estásimos são cantados pelo coro imóvel (στάσιμον, estático/estacionário), na orquestra; acompanhado de lira ou aulo e mostrando emoções, o coro comenta e analisa a situação dramática, com a função de reflectir a opinião pública sobre os assuntos da peça. ● Nesta passagem, o coro suplica primeiro às Erínias (deusas primitivas, implacáveis, indiferentes a sacrifícios, suplícios, ou outras atenuantes) para parar de atormentar Orestes, interpelando-o a ele de seguida.

O Remorso de Orestes (Orestes Perseguido pelas Erínias ou Fúrias),
de William-Adolphe Bouguereau (1862)

>> ARCHiPELAGOS • II. CANTOS DA ARGILA

ARCHiPELAGOS • X. SEA WAVES TELLING TALES

Posted by michales loukovikas on 2017/11/10

Posted in: ARCHiPELAGOS. Tagged: Alegrías, Alentejo, Amélia Muge, António Quintino, Bulerías, Cantiga de amigo, Catarina Anacleto, Catarina Moura, Dimitris Mystakidis, Festival Músicas do Mundo, Filipe Raposo, Flamenco, Great fire of Smyrna, Greek diaspora, Harris Lambrakis, Iberian Peninsula, Jerez de la Frontera, Joglar, Jogral, José Salgueiro, Juglar, Kyriakos Gouventas, Lyric poetry, Manos Achalinotopoulos, Manuel Maio, Maria Monda, Martin Codax, Mendinho, Michales Loukovikas, Miguel Tapadas, Minstrel, Nikos Paraoulakis, Niovi Benou, Panagiotis Tountas, Periplus, Porto, Rebetiko, Ricardo Parreira, Rui Vaz, Sines, Smyrna, Soleá, Teresa Campos, Thomás Natsis, Troubadour, Trouvère, Vasco da Gama, Vigo, Xaime Quessada, Xograr. Leave a comment

AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passages

X. SEA WAVES TELLING TALES

● Myriad Waves of the Sea of Vigo
● Sea Tales of Pearls (Bulería of Sines)

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • X. ΜΥΘΟΙ ΤΩΝ ΚΥΜΑΤΩΝ
/PORTUGUÊS/ ARCHiPELAGOS • X. O QUE AS ONDAS CONTAM

ARCHiPELAGOS / Passages: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

27. Waves of the Sea of Vigo / Kýmata Mýria tou Pelágou
(Myriad Waves of the Sea)

– Martín Codax (also in Greek: Michales Loukovikas) / Panagiotis Tountas
• Adapted by Amélia Muge / Arranged by M. Loukovikas

A major medieval Galician minstrel’s Cantiga de amigo combined
with a melody by the greatest composer of the rebetiko of Smyrna

Myriad waves of the ocean,
I’m looking for my dear friend.
Oh, yes, if only he’d come soon,
I keep my eyes fixed on the sea!

Have you perchance seen my dear friend,
for whom I have a great yearning?
Oh, yes, if only he’d come soon,
for I can take it no more!

Cantigas de Amigo, the manuscript of Martín Codax

Waves of the sea, stormy sea,
Have you perchance seen my loved one?
Oh, my God, I wish he’d come soon!

Have you perchance seen my loved one,
For whom I worry so much?
Oh, my God, I wish he’d come soon!

Waves of the sea… Myriad waves… Sea tales of pearls…

• Adapted into English by Michales Loukovikas

• Voices: M. Loukovikas, A. Muge / Vocals: Rui Vaz • Cello: Catarina Anacleto
Clarino: Manos Achalinotópoulos / D. Bass: António Quintino
Guitar, Tzourás: Dimitris Mystakidis / Ney: Harris Lambrakis / Percussion: José Salgueiro
Portuguese guitar: Ricardo Parreira / Violin: Kyriakos Gouventas

●

Panagiotis Tountas

● Panagiotis Tountas (1886 – 1942): a great composer of the early 20th century, probably the best representative of the Smyrna school of rebetiko. He traveled a lot, especially to the Hellenic diaspora. After the burning of his birthplace, Smyrna, by the Turks, he settled in Greece. He was responsible for most of the recordings of the era as art director for several recording companies. ● Smyrna: a Hellenic city dating back to antiquity located at a central and strategic point on the Aegean coast of Asia Minor. Due to its advantageous position, it rose to prominence and reached metropolitan proportions during the Roman Empire. In the Ottoman period, Greek influence remained so strong in the area that the Turks called it Smyrna of the infidels. During the late 19th and early 20th century, the city was an important financial and cultural center of the Greek world. In 1919, with the end of the First World War, it was assigned to Hellas, until 1922 when it was retaken by the Turks, who set fire to the Greek and Armenian quarters, ending the city’s multi-cultural character. The main centre of rebetiko in its early period was this multi-national port. The Smyrnaean musicians were influenced not only from the sounds of the Orient, but also from the Occidental music of the many European communities of the city, most notably the Italians, creating the peculiar sound of the school of Smyrna. ● Rebetiko, tzourás: see ARCHiPELAGOS • VI. IN A HARBOUR’S TAVERN. ● Martín Codax (middle of 13th – early 14th centuries): an eminent Galician medieval minstrel (a xograr, jogral, joglar, juglar, or jongleur, i.e. a non-noble composer and performer, as opposed to a troubadour, trobador, trovador, or trouvère). He was probably born in Vigo, the most populous city of Galicia on the Atlantic Ocean, in Pontevedra of north-west Spain. It is located just north of the border with Portugal and its nearest larger city is Porto. ● Cantiga de amigo (A friend’s song): a genre of medieval lyric poetry, rooted in a song tradition native to northwest Iberia. Its main characteristic is its focus on a world of female-voiced communication.

A fada e o dragón, by Xaime Quessada (bronze sculpture): a fairy with two flutes on a winged dragon, a tribute to Galicia’s oral culture, the medieval poets, minstrels and troubadours, like Martín Codax or Mendinho, who celebrated Vigo’s bounties

28. Sea Tales of Pearls (Bulería of Sines)

– Amélia Muge / Michales Loukovikas, Portuguese traditional
• Arranged by M. Loukovikas, A. Muge

Here’s the sea – it’s the primary
To unite – so entirely
And the islands – are the pearls
Of a necklace – to ornament the sea
Tales of pearls – you will see
There is always a boat to appear.

In the place where there is love
Two isles are going to emerge
If the sea between them thrives
Everything will soon converge.

Every hour that we live here
Is within these tales of pearls
And those islands we can’t see
Are there always calling us.

Waves of the sea… Sea tales of pearls…
Tales on the waves of the sea…

• Adapted into English by Michales Loukovikas

Amélia Muge and Michales Loukovikas presented their previous project, Periplus, at the Festival Músicas do Mundo in Sines in 2012 with: Catarina Anacleto (cello), Manuel Maio (violin, mandolin), Nikos Paraoulakis (ney, recorder), António Quintino (double bass), José Salgueiro (percussion), and Miguel Tapadas (piano). The Bulería of Sines (Sea Tales of Pearls) was composed in this town and was played in its initial form during this concert.

• Voices: Catarina Moura, Teresa Campos / Vocals: Maria Monda, A. Muge,
Children’s Choir dir. Catarina Anacleto • Accordion: M. Loukovikas
Claps: Niovi Benou, Thomás Natsis / Clarino: Manos Achalinotópoulos
D. Bass: António Quintino / Flamenco guitar: T. Natsis / Guitar: Dimitris Mystakidis
Ney: Harris Lambrakis / Percussion: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo
Portuguese guitar: Ricardo Parreira / Violin: Kyriakos Gouventas

●

● Bulería: a fast flamenco rhythm in 12 beats. It originated in Jerez in the 19th century, initially as a fast, upbeat ending to soleares or alegrías (which share the same rhythm and are still often ended this way). It is among the most popular and dramatic forms of flamenco and usually ends any flamenco gathering. Its name comes from the Spanish word burlar, meaning to mock, or from bullería, that is racket, shouting, din. It is the flamenco style that permits the greatest freedom for improvisation. ● Sines: a Portuguese city on the Alentejo coast, Vasco da Gama‘s birthplace. It hosts the annual Festival Músicas do Mundo (World Music Festival) dedicated to folk and traditional music from all over the planet, and also jazz and crossover pop/rock acts.

Festival Músicas do Mundo inside the castle of Sines

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ARCHiPELAGOS • VIII. IN TIMES OF INDIGENCE

Posted by michales loukovikas on 2017/11/08

Posted in: ARCHiPELAGOS. Tagged: Abkhazia, Age of Pericles, Agora, Alexander the Great, Alexandria, Amélia Muge, António José Martins, António Quintino, Antigone, Antistrophe, Apollonius of Rhodes, Archimedes, Argo, Argonautica, Argonauts, Argus, Aristarchus of Samos, Aristotle, Atheism, Athenian democracy, Battle of Salamis, Black Sea, Bullroarer, Caesareum of Alexandria, Camões Prize, Catarina Anacleto, Charles William Mitchell, Church Fathers, Circe, Circe Invidiosa, Classical music, Classical period, Cleisthenes, Colchis, Ctesibius, Cybele, Cyril of Alexandria, Decline and Fall of the Roman Empire, Democracy, Dimitris Mystakidis, Dindymon, Doctor of the Church, Drum, Edward Gibbon, Epode, Eratosthenes, Euclid, Existence of God, Filipe Raposo, Francesco Jerace, French Revolution, Friedrich Hölderlin, Georgia, Golden Fleece, Greco-Persian Wars, Harris Lambrakis, Hélia Correia, Helen, Hellas, Hellenistic period, Henotheism, Hero of Alexandria, Hipparchus, Homer, Hypatia, Jason, Jean François de Troy, John William Waterhouse, José Manuel David, José Salgueiro, Konstantinos Volanakis, Kosmas Papadopoulos, Kyriakos Gouventas, Library of Alexandria, Lighthouse of Alexandria, Ludwig van Beethoven, Lusophone, Manos Achalinotopoulos, Maria Monda, Medea, Michales Loukovikas, Monolatrism, Monotheism, Musaeum, Napoleon, Nymph, Ode, Odyssey, Oligarchy, Orpheus, Ostracon, Paganism, Pan, Pan flute, Panentheism, Pastoral, Pedro Casaes, Peloponnesian War, Pericles, Pericles' Funeral Oration, Philipp Foltz, Phoenicia, Phrygia, Phrygians, Polis, Politeia, Politics, Rhea, Romantic music, Romanticism, Rui Vaz, Saint, Satyr, Serapeum, Seven Wonders of the Ancient World, Socrates of Constantinople, Strophe, Symphony No. 3 (Beethoven), Syrinx, Theism, Theodosius, Theophilus of Alexandria, Trojan War. Leave a comment

AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passages

VIII. IN TIMES OF INDIGENCE

● Without Gods ● We ● Spell
● The Aegean Islands ● The Ruin of Hellas
● We Talk About Shadows (Democracy)
● A Beginning

/PORTUGUÊS/ ARCHiPELAGOS • VIII. EM TEMPO DE INDIGÊNCIA

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • VIII. ΣΤΗΝ ΕΠΟΧΗ ΤΗΣ ΕΝΔΕΙΑΣ

ARCHiPELAGOS / Passages: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

Hélia Correia: The Third Misery & Indignation (excerpts)

• Adapted into English by Michales Loukovikas

17. Without Gods

– Hélia Correia / Amélia Muge
• Arranged by A. Muge, António José Martins, Michales Loukovikas

What’s the use, […] what is the purpose
Of a poet in times of such indigence?

[…] without gods, without even
Feeling their absence, we are born,
And unable to remember, draining,
Sucking everything, even that which do not
Serve us as aliment, whatever circulates
In the bowels of the earth, its own lymph,
The one that the Argonauts even saw
Exuding, like blood, from rocks and stones
When everything sang, got injured and wounded.

• Voice: A. Muge / Vocals: Maria Monda, A. Muge • D. Bass: António Quintino
Percussion: José Salgueiro / Violin: Kyriakos Gouventas

Argo, by Konstantinos Volanakis

● Hélia Correia (born 1949): a Portuguese novelist, playwright, and poet. She reinterpreted Hellenic myths from the point of view of female heroines, such as Antigone, Helen, and Medea. The sequence In Times of Indigence is mainly based on her acclaimed poem A Terceira Miséria (2012), a tribute to Greece, following in Friedrich Hölderlin’s footsteps. She was awarded the Camões Prize, the most prestigious literary distinction in the Lusophone world, which she dedicated to Hellas, where poetry comes from, without which we would be nothing and have nothing, as she said, concluding her speech with the exclamation Long live Greece! Therefore it’s a double pity that no one is interested in publishing The Third Misery in Greece. Well, this is a fourth misery on our part! ● Argonauts: heroes in Hellenic mythology who, in the years before the Trojan War, around 1300 BCE, accompanied Jason to Colchis, on the Black Sea coast, in present-day Abkhazia and western Georgia, in his quest to find the Golden Fleece. The term comes from their ship, Argo, named after its builder, Argus. Thus Argonauts literally means Argo sailors. ● While sailing by eastern Phrygia, they encountered stormy weather and, advised by a prophet, they climbed Mount Dindymon, sacred to the mountain mother, Cybele, whom the Hellenes identified with Rhea. There they offered sacrifices to the Dindymene mother and, commanded by Orpheus, they danced in full armour and clashed with their swords on their shields… Hence from that time forward the Phrygians propitiate Rhea with the rhombus and the drum. And the goddess responded: the trees shed fruit, the earth put forth flowers, and wild animals came up wagging their tails. And she caused yet another marvel; for hitherto there was no flow of water on Dindymon, but then an unceasing stream gushed forth from the peak, and the dwellers around called that stream Spring of Jason. And then they made a feast in honour of the goddess on the Mount of Bears, singing the praises of Rhea most venerable; at dawn the winds had ceased and they rowed away from the island. (Apollonius of Rhodes, Argonautica)

18. We

– Hélia Correia / Michales Loukovikas
• Arranged by M. Loukovikas

We, the abandoned ones, those who do not
Even perceive in what way to placate
And whom,
We, the dumbfounded,
Fraternized with all the landless, we,
The destined for a bleak starvation,
Barbarians with our feet in the black tar,
Heavy drinkers of petroleum, how can it be that

Once more the square,
The Agora, unites us?

• Voice: Amélia Muge / Vocals: Maria Monda, A. Muge • D. Bass: António Quintino
Guitar: Dimitris Mystakidis / Percussion: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo

● Agora: a central spot in ancient Hellenic poleis. Literally it means gathering place, assembly. The agora was the centre of political, artistic, spiritual and athletic life of the city. Later, it also served as an economic centre, as a marketplace, where merchants kept stalls or shops to sell their goods. This attracted artisans who built workshops nearby. From this twin function of the agora as a political and commercial space came the two Greek verbs ἀγορεύω, agoreúō, I speak in public and ἀγοράζω, agorázō, I shop, I buy.

An imaginary depiction of the Agora of ancient Athens at the time of Pericles

19. Spell

– Hélia Correia / Amélia Muge
• Arranged by António José Martins, Filipe Raposo

All those – not in existence
Those who have left us terrified, alone,
With no proper tools and devices,
Without thinking,
Without these temperamental gods
Who liked to take sides during the battles.

Being transformed into pigs, by a spell,
Due to malevolence,
Oh, yes, exactly
Just like in the Odyssey,
We do not know
– and the Greeks cannot remember –
What can we do so as to
Break the spell?

Circe Invidiosa, by John William Waterhouse

Experiments
– Amélia Muge

The ear of a pig
Plus a cat’s paw
The eye of a mouse
A crooked branch
Half of the beak of a skylark

Rosemary dried
A pomegranate
A lame’s nail
The leg of a frog
Grandma’s tongue,
preferably twisted

A drop of spit
A cactus peak
And a fish scale
A pussy’s fur
Wings of a fly bound in a bundle

An arm and a leg
A rubber check
A coin with a hole
The belch of a banker
An entire year’s sweat

• Voice, vocal effects, recitation: A. Muge
• Percussion: José Salgueiro, A.J. Martins
Synthesizers: F. Raposo

● Odyssey: see Homer in ARCHiPELAGOS • VII. IMAGINARY ISLANDS.

●

20. The Aegean Islands

– Hélia Correia / Manos Achalinotópoulos, Amélia Muge
– A free improvisation
by Harris Lambrakis, M. Achalinotópoulos, A. Muge, Kyriakos Gouventas
• Arranged by Michales Loukovikas

[…] Only later […]
He who did not know how to be docile […]
Became conscious of the howl that was emitted
From all the islands, with their shorelines
And their deserted forests. […]

[…] Yes, that was
The initial misery, the desertion of
The gods. The second one, their death,
That on Pan’s death was announced
With the lament of the forests, the mournful
Clamour of the Aegean Islands. […]

What’s the use, […] what is the purpose
Of a poet in times of such indigence?

• Recitation: H. Correia / Voice: A. Muge / Vocal impros: M. Achalinotópoulos, A. Muge
• Instrumental impros: H. Lambrakis, ney; M. Achalinotópoulos, clarino; K. Gouventas, violin
Drones: K. Gouventas, viola; António Quintino, d. bass; Catarina Anacleto, cello

Pan and Syrinx, by Jean François de Troy.

● Aegean Islands: see ARCHiPELAGOS • I. THE ARCHIPELAGO REVISITED. ● Pan: the god of the wild, shepherds and flocks, mountains, and pastoral music, connected to fertility and spring. He had the hindquarters, legs, and horns of a goat, just like a satyr. The Greeks also considered him to be the god of theatrical criticism. His name originates from the Greek verb πάειν, páein (to pasture); the word panic is derived from his name, due to the sudden fear the people felt in the mountains hearing strange animal sounds. Syrinx, a nymph known for her chastity, was also panicked when she was chased after by Pan. In order to escape, she was transformed into hollow water reeds that made a haunting sound when the god’s frustrated breath blew across them. He cut the reeds to fashion the first set of pan pipes, which are also known as syrinx. Pan became a significant figure in the Romantic movement in the 18th and 19th centuries, and also in the Neopagan movement of the 20th-century.

●

21. The Ruin of Hellas

– Hélia Correia / Michales Loukovikas
• Arranged by M. Loukovikas

We, the atheists, we, the monotheists,
We, anyone reducing sheer beauty
Down to petty chores, we, the poor but
Well-adorned, the poor but feeling cozy,
Who are always willing to delude ourselves
Amazed while gazing upwards, at the towers,
Supposing that inside we could reside,
Glory of eagles with no eagles there,
We suffer, yes, from the one and same indigence,
From the ruin of Hellas.

● Atheism: the absence of belief in the existence of deities, the rejection of belief that any deities exist. It is contrasted with theism, which is the belief that at least one deity exists. The etymological root for the word originated before the 5th century BCE from the Greek ἄθεος (atheos), meaning without god(s). The actual term atheism emerged in the 16th century. ● Monotheism: the belief in the existence of only one god that created the world, where he interferes and is all-powerful. A distinction may be made between exclusive monotheism, and both inclusive or panentheistic monotheism which, while recognizing various distinct gods, postulate some underlying unity. Monotheism is distinguished from henotheism, a religious system in which the believer worships one god without denying that others may worship different gods with equal validity, and monolatrism, the recognition of the existence of many gods but with the consistent worship of only one deity.

• Voice: Amélia Muge / Vocals: Maria Monda, A. Muge • Clarino: Manos Achalinotópoulos
D. Bass: António Quintino / Guitar: Dimitris Mystakidis / Ney: Harris Lambrakis
Percussion: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo / Violin: Kyriakos Gouventas

22. We Talk About Shadows (Democracy)

– Hélia Correia / Ludwig van Beethoven
• Adapted/Arranged by Michales Loukovikas

The Third Symphony (Eroica), Second Movement, first part
Marcia funebre, Adagio assai, Sotto voce (1804)

Yes, we talk about shadows. Thinking twice,
We did burn every thing: Alexandria,
The sages and the women, […]
The noble heart. We have on our shoulders
The apparatus of the destroyers, […]:
That kind of arrogance
Out of which the Occident has been lost.

The third misery is this one, […].
That of those who just don’t listen nor ask questions.
[…] don’t remember. And, contrary
To the exalted Pericles, they turn to
Be one with […] those who surrender,
Those who shall mix themselves like a liquid
Within a liquid mass, the form is lost,
The statue is turned into dust.

All the squares
Seem like agoras of yore, astounded
By the concentration of organisms,
By the use of the word, the passionate
And fervent word of democracy […]

Monument to Beethoven, by Francesco Jerace (1895)

• Voice: Amélia Muge / Vocals: Maria Monda, A. Muge, Rui Vaz, José Manuel David, Pedro Casaes
• Cello: Catarina Anacleto / Clarinet: Kosmás Papadópoulos / D. Bass: António Quintino
Ney: Harris Lambrakis / Percussion: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo
Violin, Viola: Kyriakos Gouventas

● Ludwig van Beethoven (1770 – 1827): a German composer and pianist, a crucial figure in the transition between the Classical and Romantic eras in Western art music. He remains one of the most famous and influential of all composers. ● His Third Symphony, a large-scale composition completed in early 1804, is one of his most celebrated works. Initially he dedicated it to (Napoleon) Buonaparte (its original title), who he believed embodied the democratic and anti-monarchical ideals of the French Revolution. He tore off the dedication when he learned that Napoleon had declared himself Emperor. The score was published in 1806 under the Italian title Sinfonia Eroica, composta per festeggiare il sovvenire di un grande Uomo (Heroic Symphony, composed to celebrate the memory of a great Man). When informed of Napoleon’s death (1821), Beethoven said, I wrote the music for this sad event 17 years ago, referring to the second movement, Marcia funebre, funeral march; Adagio assai, very slow; Sotto voce, low voice: intentionally lowering the volume of one’s voice for emphasis, giving the impression of uttering a truth which may surprise, shock, or offend. In music, it is a dramatic lowering of the volume, vocal or instrumental – not necessarily pianissimo, but definitely a hushed tonal quality.

Hypatia, by Charles William Mitchell (1885)

● Alexandria: founded circa 331 BCE by Alexander the Great, it became an important centre of the Hellenistic civilization. It was famous for its Lighthouse (Pharos), one of the Seven Wonders of the Ancient World, and its Great Library, the largest in antiquity, which was burned repeatedly by Romans, Byzantines, and Arabs. Its demise has become a symbol of knowledge and culture destroyed. It was part of a larger research institution, the Musaeum, where many of the most famous thinkers of the ancient world studied: Archimedes, Aristarchus, Ctesibius, Eratosthenes, Euclid, Hero, Hipparchus… Most of the books were kept as papyrus scrolls. Estimates range from 40,000 to 400,000 scrolls at its height. After the main library was destroyed, scholars used a daughter library in a temple, the Serapeum, located in another part of the city. ● In 391 CE the Serapeum and the remnants of the Great Library were looted and burned by army troops and Christian fanatics, at the decrees of the Emperor Theodosius and Pope Theophilus. In The History of the Decline and Fall of the Roman Empire, Edward Gibbon described Theophilus as the perpetual enemy of peace and virtue, a bold, bad man, whose hands were alternately polluted with gold and with blood. ● The Great Terror in Alexandria climaxed in 415 with the brutal murder of the philosopher, mathematician and astronomer Hypatia, instigated by Cyril, Theophilus’ nephew and successor, counted among the Church Fathers and Doctors of the Church, and canonized as a Saint! In his Historia Ecclesiastica, Socrates of Constantinople, a contemporary Christian historiographer, testified that Cyril agitated a mob of 500 fanatic monks possessed “by a fierce and bigoted zeal [… They] waylaid [Hypatia] returning home and, dragging her from her carriage, they took her to the church called Caesareum [Cyril’s headquarters], where they completely stripped her, and then murdered her with ostraka [potsherds]. After tearing her body in pieces, they took her mangled limbs to a place called Cinaron, and there burnt them.”

Cleisthenes

● Democracy (δημοκρατία, rule of the people) was conceived in classical Greece as a system of government where the citizens exercised power directly, not through representatives. The first democracy in the world was established in Athens in 508 BCE under Cleisthenes as a direct, participatory system, in which the citizens voted themselves on legislation and executive bills, while those selected for office served collectively. The selection was done mostly by lot, not election, because the latter favours the rich, noble, famous, educated, eloquent, and handsome. Allotment was regarded as the most democratic means to prevent the corrupt purchase of votes and give citizens a unique form of political equality. In this way more and more citizens were engaged in politics, ruling and being ruled in turn, as Aristotle wrote. Elected rather than chosen by lot (therefore coming from the higher classes) were the ten generals, due to their necessary expertise in matters of politics and war, and also those who handled large sums of money: any embezzlement could be recovered from their estates. The contempt the first democrats felt for those who did not participate in politics is obvious in the word idiot, from the Greek ἰδιώτης, i.e. a private person, someone who is not actively participating in politics. We do not say that a man who takes no interest in politics is a man who minds his own business, Pericles declared; we say that he has no business here at all. ● Pericles (c. 495 – 429 BCE): a prominent, influential statesman, orator and general, between the Persian and Peloponnesian wars, whose name is connected with the Golden Age of Athens.

Pericles’ Funeral Oration, by Philipp Foltz (1852)

23. A Beginning

– Hélia Correia / Amélia Muge
• Arranged by António José Martins, Filipe Raposo

What are the arms at our disposal, if not these
We find inside the body: our own thinking,
The idea of polis, but redeemed
From a great abuse, the very notion of home and
Of hospitality, too, and of commotion
From which we see the rise of the poem, from which
We’ll see the rise of the collection of our deeds
And misdeeds as humans, a beginning.

• Voice: A. Muge / Vocals: Maria Monda • Cello: Catarina Anacleto / D. Bass: António Quintino
Ney: Harris Lambrakis / Percussion: José Salgueiro / Piano: F. Raposo / Violin, Viola: Kyriakos Gouventas

● Polis literally means city in Greek, but referring mainly to the body of its citizens rather than its area; it can also mean citizenship. The Hellenic term that specifically means the totality of urban buildings and spaces is ἄστυ (ásty). Before the Battle of Salamis e.g., the Persians managed to occupy the ásty of Athens, but not the polis, as the citizens boarded the ships of the Athenian fleet and left. In modern historiography, polis is used to indicate a Greek city-state, though this term is inadequate. The Greek poleis were not like the Phoenician city-states, which were ruled by a king or a small oligarchy, with their inhabitants being mere subjects. Thus the term polis came to signify state: politeia in Hellenic means city, but also state, republic, polity, government, governance, etc. while politeuma means regime. Not to mention politics…

●

The Library of Alexandria during its heyday, its acme

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ARCHiPELAGOS • VII. IMAGINARY ISLANDS

Posted by michales loukovikas on 2017/11/07

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AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passages

VII. IMAGINARY ISLANDS

● An Island, Utopia
● Penelope of Ithaca ● Lost Kids

/PORTUGUÊS/ ARCHiPELAGOS • VII. ILHAS IMAGINÁRIAS

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • VII. ΝΗΣΙΑ ΤΗΣ ΦΑΝΤΑΣΙΑΣ

ARCHiPELAGOS / Passages: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

14. An Island, Utopia
Dedicated to Ares Alexandrou

– Amélia Muge
• Arranged by António José Martins, Filipe Raposo

In that name without a place / without knowing where to be
it’s out there and ever-changing / so inviting but eluding
there’s something we have found / something that no one can reach.

Something we can say it’s perfect / between the recto and reverso
sweet and bitter, warm and chilly, / it’s an island…

Something that can liberate / and confine and cause pain
and enslave, also relieve, / it’s an island whose name is Utopia.

In the more absurd desire, / or in the darkest of darkness,
or in a box that is empty, / it’s an island…

Telling us about a house, / a foreigner away from home;
an Odyssey of the idea that created the illusion
of this island whose name is Utopia.

Eternizing horizons / far away beyond horizons
in the night or in the day / fog is out there in the distance
vision is blurred, imprecise, / where myopia itself
is an island whose name is Utopia.

• Adapted into English by Michales Loukovikas

• Voice: A. Muge / Recitation: Michales Loukovikas • D. Bass: António Quintino
Harp: Ana Dias / Ney: Harris Lambrakis

●

Elysian Fields, by Carlos Schwabe (1903)

● Utopia: an imagined community or society with highly desirable or nearly perfect conditions for its citizens. Utopian ideals place emphasis on egalitarian principles, with the method of implementation varying according to the ideology of each proposal. The term utopia was coined by Thomas More for his book Utopia (1516), describing a fictional island society in the Atlantic. The word comes from the Hellenic οὐ (not) and τόπος (place) and means no-place. Eutopia, from the Greek εὖ (good) and τόπος, meaning good place, is the correct term to describe a positive utopia. Utopia and eutopia in English are homophonous; thus they became synonymous, as well. The opposite of eutopia is dystopia – from the Hellenic δυσ- (bad) and τόπος, i.e. cacotopia, or anti-utopia. ● Plato‘s Republic is sometimes being described as a dystopia. Τhis book, one of the most influential works on philosophy and political theory, is chronologically the first recorded utopian proposal. The citizens are categorized into a rigid class structure of golden, silver, bronze and iron socioeconomic classes with limited social mobility (reminding us of the Indian caste system). The golden citizens are trained in a rigorous 50-year-long educational program to be benign oligarchs, the philosopher kings. The wisdom of these hereditary rulers will supposedly eliminate poverty and deprivation through fairly distributed resources. True knowledge, however, is reserved for the elite, while the lower classes are expected to fulfill their functions to the state loyally until the end of their lives. Censorship is common, to prevent impiety and immorality from corrupting the youth. The Platonic Republic has few laws, practices a form of eugenics to weed out the disabled, and deliberately hires mercenaries to conduct war in the hope that the more warlike populations of surrounding countries will be eliminated (what the Punics did until finally Carthage was razed to the ground). Indeed, who would like to live in such a harsh, unfree utopia, if his/her metal were not noble? In his 1945 book The Open Society and Its Enemies, Karl Popper singled out the Platonic Republic as a totalitarian dystopia, with a government composed only of a distinct hereditary ruling class, while the lower working class is given no role in decision making and treated as human cattle. Undoubtedly, the greatest utopia is to expect solutions from such philosopher kings, even though they are world-famous and have influenced generations upon generations of thinkers.

● Ares Alexandrou; real name, Aristoteles Vasiliades; 1922 – 1979): a Greek novelist, poet and translator. Always on the Left but unconventional (I belong to the non-existent party of poets), he is the author of a single novel (To Kivōtio, Mission Box) which is widely considered to be among the modern Greek classics. He was born in Petrograd to a Greek father and a Russian mother; they all moved to Greece in 1928. During the Nazi occupation, he joined a communist youth resistance group but soon left in disagreement. After the ‘liberation’ of Greece, however, the British arrested and deported him to a camp in Libya. Furthermore, even though he did not participate in the ensuing Civil War (1946-1949), he was arrested due to his refusal to disavow his political beliefs and sent to ‘islands of exile’ and prisons. He was finally discharged in 1958. Because of the dictatorship in 1967, he decided to move to Paris, where he died in 1979 from a heart attack, having lived to see his novel published in French. His poems (1941-1974) were mostly written in exile. Nevertheless, due to his unconventional character, only two composers set his poetry into music: Michales Gregoriou (Undelivered Letters, 1977) and Michales Loukovikas (The Gold in the Sky, 2008). Three songs from the Gold were included in Periplus by Amélia Muge and Loukovikas (2012): Illegal Note, Lullaby, The Inner Dictates.

The Golden Age, by Lucas Cranach the Elder

15. Penelope of Ithaca

– Amélia Muge
• Arranged by António José Martins, Filipe Raposo

Quietly weaving her designs, / a slyness that’s so refined,
to escape while staying there / she turns the hours to zero

On the loom she spins her days / in the web of all her sorrows
on the loom her nights unravel / in the texture of her sighs

If Ulysses runs the space / she’s voyaging in time
in the air of all her movements / her own steering wheel’s the shuttle

Aboard that craft she’s sailing / it’s her looming errant loom
her yarn goes from a to z / back and forth and to and fro

In the threads of this web is / where the fabric’s the idea
of a story where the wait is / done while sailing in the sea
at the rudder of a loom

Going forward, standing still and / working hard without going
past this point, a spider’s web for / days and months and many years
starting over and again

Time was then just like a fabric / interwoven in this manner
in Penelope while waiting / she sailed tired on this endeavour

Such was her determination / that the difference perhaps is this
between waiting for Ulysses / or Sebastian the king

• Adapted into English by Michales Loukovikas

• Voice: A. Muge • Cello: Catarina Anacleto / D. Bass: António Quintino
Ney: Harris Lambrakis / Percussion: José Salgueiro / Piano: F. Raposo

●

Homer

● Homer (Ὅμηρος, late 8th – early 7th centuries BCE): the semi-legendary author of the Iliad and the Odyssey, two epics originally transmitted orally, which became the central works of Greek literature. He was said to be a blind bard from Ionia, in central coastal Asia Minor. The influence of the Homeric epics on Western civilization has been incalculably vast , inspiring many famous works of literature, music, and visual arts. ● The Odyssey is, in part, a sequel to the Iliad dealing with the Trojan War. It focuses on Odysseus (Ὀδυσσεύς, Ulysses in Latin, ca. 13th – early 12th centuries BCE), king of Ithaca, and his nostos, the ten-year eventful journey home after the fall of Troy. He also plays a key role in the Iliad and other works of the Epic Cycle. Renowned for his brilliance, guile and versatility (πολύτροπος), he is hence known by the epithet cunning (μῆτις, cunning intelligence). ● As it is assumed that he has died, his wife, Penelope, known for her faithfulness to him, must deal with a horde of unruly suitors, the mnesteres. Devising tricks to delay them, she pretends to be weaving a burial shroud for her elderly father-in-law and claims that she will choose a suitor when she has finished. Every night for three years, she undoes part of the shroud, until an unfaithful serving woman discovers her trick and reveals it to the suitors. Obliged to change course, she declares that whoever can string Odysseus’ rigid bow and shoot an arrow through twelve axe heads may have her hand. The only one who can do that is Odysseus himself. There follow the scenes of mnesterophonia (slaying of the suitors) and the hero’s recognition by Penelope. ● Sebastian I (1554 – 1578): King of Portugal who disappeared (probably killed) in the battle of Alcazar in Morocco. Portugal’s defeat led to its integration in the Iberian Union under the Spanish crown for 60 years. Sebastião is often referred to as “the desired”, as the Portuguese longed for his return to end the country’s decline.

Penelope and the Suitors, by John William Waterhouse (1912)

Odysseus’ Recognition by Penelope
Rhapsody 23 (excerpts)

– Homer “Odyssey”
• Edited by Michales Loukovikas

[…] and so much her heart
pondered, if she should stand aloof and question her dear husband,
or go up to him, so as to hold and kiss his head and hands.
After she had entered […]
she sat down over against Odysseus, in the light of fire;
[…] but there he […]
was looking down, and waiting still to see whether his dignified wife
would tell him something the moment that her keen eyes beheld him;
but she sat long in silence; amazement came upon her soul,
while she was looking over him at times steadfastly with her eyes;
other times she knew him not […]

• Adapted into English by Michales Loukovikas

One of the dramatic threads in the account of Odysseus’ return to Ithaca is the gradual revelation of his identity: he is seated before a columned façade representing his palace, Penelope and his son, Telemachus, stand before him, as the old nurse, Eurycleia, washes
his feet and recognizes him from an old scar (terracotta relief, 450 BCE)

16. Lost Kids

– Amélia Muge / Thracian traditional tune, A. Muge
• Arranged by António José Martins, Michales Loukovikas

Little kids, my ass! / we have all grown up
time is misleading / in a paradise
but age is so mixed-up / and thinks we‘re infantile
so everyone retorts, / Thank you, we don’t buy!

Lost and missing, yes, / we may really be,
but rather be lost / than full of baloney
and such certainties / that may turn us all
blind and armless devils, / deaf and also lame

Never we obey / to your every “must”
neither sleep too early
doing somersaults / to chase the fear away

Never never never
never say yes, / never say no,
if you don’t know why, / never be distracted

There are many faces / with a snobbish air
they do not see straight, / only sideways
if what you say has nothing / got to do with me
go and waste your time / with someone else, you bear!

• Adapted into English by Michales Loukovikas

• Voice: A. Muge / Vocals: Maria Monda, A. Muge • Accordion: Filipe Raposo
Clarino: Manos Achalinotópoulos / D. Bass: António Quintino / Ney: Harris Lambrakis
Percussion: José Salgueiro / Violin: Kyriakos Gouventas

●

● Neverland: a fictional location featured in the works of J. M. Barrie, an imaginary faraway place, where Peter Pan, Tinker Bell, the Lost Boys and other mythical creatures live (there are no lost girls because, as Peter explains, girls are far too clever to get lost). Although not all people who go there cease to age, the best known Neverlander famously refused to grow up, and this is often used as a metaphor for eternal childhood (or childishness), immortality, and escapism.

>> ARCHiPELAGOS • VIII. IN TIMES OF INDIGENCE

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AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passages

V. WEARINESS OF BEING

● Slumber of Being ● The Hours

/PORTUGUÊS/ ARCHiPELAGOS • V. CANSAÇO DE SER

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • V. Η ΚΟΠΩΣΗ ΤΟΥ ΕΙΝΑΙ

ARCHiPELAGOS / Passages: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

09. Slumber of Being

– Fernando Pessoa / Amélia Muge
• Arranged by Filipe Raposo

Floating lightly, inattentive,
My gloomy thoughts full of sadness
As, in the slumber of winds,
The seaweeds, that lentous hair of
The lifeless body of waters.

Floating just like lifeless leaves on
The surface of stilly waters.
These are things wearing nothings,
While dust is swirling in doorways
Of houses that are abandoned.

Slumber of being, quite hopeless,
A trace of what never was,
Slight sadness, fleeting tedium,
It stops or flows, I don’t know;
If it exists or it hurts.

• Adapted into English by Michales Loukovikas

• Voice: A. Muge • Piano: F. Raposo

Fernando Pessoa, the… homonym. Screen printing by Júlio Pomar.

●

● Fernando Pessoa (1888 – 1935): a Portuguese poet, writer, literary critic, translator, publisher, and philosopher, described as one of the most significant literary figures of the 20th century and one of the greatest poets in the Portuguese language. He also wrote in, and translated from, English and French (The Hours is one of his English Poems). He was a prolific writer, not only under his own name, for he dreamed up dozens of others. He did not call them pseudonyms, as he felt that did not capture their independent intellectual life, and instead called them heteronyms (Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares). These imaginary figures sometimes held unpopular or extreme views, and displayed ways of thinking, behaving and writing completely different among them. As the American poet Robert Hass said, “other modernists – Yeats, Pound, Elliot – invented masks through which to speak occasionally… Pessoa invented whole poets.”

Pessoa, oil on canvas by José de Almada Negreiros

10. The Hours

– Fernando Pessoa (writing in English) / Michales Loukovikas
• Arranged by M. Loukovikas

The hours are weary of being hours.
Oh, to be aught else! they say.
Their task’s to age children, hopes and flowers,
Paint lips cold and hairs gray.

They sicken and sadden and deaden beauty.
When they pass and look behind,
Lining the path of their ended duty
They only weeping find.

So, Oh, to be something else! they say,
For they think they know
That the things and thoughts they take away
Really fade and go.

But they do not know, blind misers screening
A robber-changed false pelf,
That everything has Another Meaning –
Ay, even God Himself.

• Voice: Amélia Muge / Vocals: M. Loukovikas, Maria Monda, A. Muge
• Clarino: Manos Achalinotópoulos / Clocks: M. Loukovikas / D. Bass: António Quintino
Ney: Harris Lambrakis / Music Box: António José Martins / Percussion: José Salgueiro
Piano: Filipe Raposo / Vibraphone: Kostas Hanís / Violin, Viola: Kyriakos Gouventas

A Tribute to Fernando Pessoa, by Luis Badosa (1944)

>> ARCHiPELAGOS • VI. IN A HARBOUR’S TAVERN

<< ARCHiPELAGOS • IV. WHAT IS TO SUFFER FROM LOVE?

AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

ARCHiPELAGOS / Passages

IV. WHAT IS TO SUFFER
FROM LOVE?

● Temptation ● Dédyke a Selánna
(The Moon Has Set Down)

/PORTUGUÊS/ ARCHiPELAGOS • IV. PENAS DE AMOR O QUE SÃO?

/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΑΡΧΙΠΕΛΑΓΟΣ • IV. ἜΡΟΣ, ΓΛΥΚΥΠΙΚΡΟΝ ὌΡΠΕΤΟΝ

ARCHiPELAGOS / Passages: AMÉLIA MUGE & MICHALES LOUKOVIKAS

07. Temptation

– Hélia Correia / Amélia Muge
• Arranged by Filipe Raposo

Oh, speak to me, mother, pray tell me, / What’s temptation, how may it be?
There’ll be some wicked person / Who will spy on me in some corner
And then take my heart away?

What precautions, what endeavours, / What doors, closed and restrictive?
Oh, my lady, what’s it out there / That has put us here confined?

What kind of foul arts are hidden / Underneath so long a skirt?
What is there inside me / That compels me run like this
As if my life is in danger?

Oh, speak to me, mother, pray tell me, / What is to suffer from love?
Is it suffering from pain / Or to be raised in the air
As if by a falcon’s claws?

In an alley that is blind / Where the entrance can be found?
Oh, mother, tell me a secret, / I don’t know if I’m afraid
Or I’m trembling in my haste?

• Adapted into English by Michales Loukovikas

• Voice: A. Muge • D. Bass: António Quintino / Piano: F. Raposo

●

● Hélia Correia: see ARCHiPELAGOS • VIII. IN TIMES OF INDIGENCE.

Hélia Correia

08. Dédyke a Selánna / The Moon Has Set Down
Fragments: The Moon Has Set Down, Meanings Are Divided, Eros

– Sappho (also in Portuguese: Amélia Muge) / Michales Loukovikas
• Adapted / Arranged by M. Loukovikas

The moon has sunk setting down
with the Pleiades, it is around
midnight, time is slipping by
while I am lying down alone.

I know not what I aspire for
meanings in me are divided.

Eros trembles and shakes my limbs again
a bittersweet invincible serpentine.
Eros has blown up my mind,
a mountain wind falling hard upon the oak trees.

• Adapted into English by Michales Loukovikas

Sappho, fresco in Pompeii

• Voice: A. Muge / Vocals: Rita Maria, Catarina Anacleto, Maria Monda, A. Muge • Cello: C. Anacleto
Clarino: Manos Achalinotópoulos / D. Bass: António Quintino / Guitar: Dimitris Mystakidis
Ney: Harris Lambrakis / Percussion: José Salgueiro / Piano: Filipe Raposo / Violin: Kyriakos Gouventas

●

Sappho, by Charles Mengin (1877)

● Sappho (or Psappha in her native Aeolic dialect of Lesbos, c. 630 – c. 570 BCE): the greatest lyric poet of archaic Greece who was often referred to as the Poetess, just as Homer was called the Poet, while Plato hailed her as the tenth Muse. Although her poetry was well-known and greatly admired in antiquity, most of it survives only in fragments, mainly because the Christian Church disapproved of her morals and the ecclesiastical authorities loved to burn her anthologies. Book burning and art destruction started before the common era (BCE), but reached it apogee in Christian times. ● Pleiades: a star archipelago, one of the nearest star clusters to Earth and the one most obvious to the naked eye in the night sky. The name of the seven divine sisters comes from ancient Hellenic, probably from πλέειν, pléein (to sail), due to the role they played in delimiting the sailing season in the Mediterranean Sea. ● Eros: the Greek god of love, and one of the winged love gods, the Erotes. Some myths make him a primordial god, while in others he is the son of Aphrodite.

●

Cornelius Castoriadis

Notes on Some Poetic Resources
Unpublished (excerpts)

Sappho (ready to lie or… set down), by Charles Gleyre

Dedyke, from the verb dyō, means has plunged. In Greece, with its 200 inhabited islands and around 15,000 kilometers of coastline, the sun, moon, and stars do not go down; they plunge. Selanna is the moon, of course. But for a Greek, selanna immediately suggests selas, light. When Sappho is speaking, it is midnight, the moon and the Pleiades have already plunged. This indication would almost suffice to date the writing of the poem. It is springtime – and actually early springtime – for that is when the Pleiades set before midnight. Effortlessly, we see the night sky revolving, the moon and the Pleiades already set, and this woman, perhaps in love with someone who is not there, or perhaps not in love but full of desires in any case, and who, in the middle of the night, unable to fall asleep, tells of her sadness at being alone in her bed. Sappho has lain down, and the ōra passes. What is ōra [hōra in other Greek dialects]? The translator naturally renders hōra as hour, derived from that Greek root, via Latin. But hōra in Greek also means season, already so in Homer, and this sense persists through Alexandrian and Byzantine times. Ηōra is also the time when a thing is at its hour, when it is truly fine and lovely; therefore, for human beings, it is the acme of youth. What, then, does Sappho say? The Moon and the Pleiades / have plunged, it is the middle / of the night; season, hour, youth go away / and I lay in bed alone. The force of the poem peaks precisely in that word, ōra, which conjoins several meanings. It is springtime – the season of lovers – hours going by and Sappho’s youth is wasting away in vain since she has no one in her bed…

C. Castoriadis, by Pablo Secca

Castoriadis was a Greek philosopher, social critic, economist, psychoanalyst, Hellenist, and Sovietologist, co-founder of the Socialisme ou Barbarie group, who obtained French citizenship. He was an extraordinary polymath, with his encyclopaedic paedeia (education), in the ancient Hellenic sense, writing essays on mathematics, physics, biology, anthropology, psychoanalysis, linguistics, society, economics, politics, philosophy, and art. His writings on autonomy have influenced both academic and activist circles; so he was called the “Philosopher of Autonomy”. The word is Greek; auto– means for/by itself and nomos means law. ● The ancient Hellenes differed from other societies because of this ideal of autonomy. The world, they imagined, stems from Chaos, while in contrast, the Hebrews believed it stems from the will of a rational entity, God, as described in Genesis. Thus the former developed a system of direct democracy where the laws were ever changing according to the people’s will, while the latter a theocratic system according to which man is in an eternal quest to understand and enforce the will of God. This radical idea of a “world out of chaos”, as found in ancient Greek philosophy and cosmogony, means that the world was created out of nothing; therefore man can model it as he sees fit, without trying to conform on some divine law. Castoriadis also rejected the term “city-state” used to describe ancient Greek cities, since the Hellenic poleis were autonomous. During colonization e.g., we observe for the first time in history that the Greeks, instead of transferring their metropolis’ social system to the newly established colony, they legislated anew from the ground up. On the contrary, the Phoenicians, who had a similar expansion then in the Mediterranean, were monarchical till the end, and their colonies paid tribute to the metropolis.

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A bronze sky disk from Nebra, Germany, is one of the oldest known representations of the cosmos (1600 BCE).
The Pleiades are top right.

Periplus CD

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