PERIPLUS | Deambulações luso-gregas (Crónica)
Amélia Muge | Michales Loukovikas
/ΕΛΛΗΝΙΚΑ/ ΠΕΡΙΠΛΟΥΣ | Ελληνοπορτογαλικές περιηγήσεις (Χρονικό)
/ENGLISH/ PERIPLUS | Luso-Hellenic Wanderings (Chronicle)
O Periplus não é um cruzeiro. É uma tentativa de construção de
pontes interculturais e de pesquisar o passado a bem do futuro.
A viagem continua… (Michales Loukovikas)
A. DAS AUSÊNCIAS
1. Uma pena que me coube
2. Όσο βαρούν τα σίδερα | Pesado como ferro
Periplus levanta âncora da “Terra das Ausências” com (quem sabe) a “Menina Lisboa” cantando uma composição de Amélia Muge dedicada à Grécia, um país julgado in absentia que quanto mais se contacta mais falta nos faz. São “Penas de Ausência”, semelhantes às da viúva de “Pesado como ferro”. Musicalmente, a viagem começa com o acompanhamento “característico” das canções portuguesas – quando um “estranho” som emerge: o clarino (clarinete tradicional) tocado por Manos Achalinotópoulos com a técnica peculiar, tradicional, usada pelos músicos dos Balcãs e da Ásia Menor, combinado com a guitarra portuguesa de Ricardo Parreira. ● Manos, que gravou em Atenas, fez dois improvisos que editei usando ambas as gravações.
As “Deambulações luso-gregas” tornam-se mais evidentes na segunda canção de origem cretense marcada por uma forte influência da Ásia Menor. No nosso período de pesquisa, enquanto trocávamos materais relacionados com as nossas músicas tradicionais, enviei esta canção como um exemplo excelente da canção cretense urbana. O que aconteceu a seguir foi qualquer coisa de extraordinário: Amélia respondeu com um… mp3, interpretando esta canção da forma como “se apropriou dela”, adaptando a letra para português e a música como se fosse um tema medieval, ocidental. Fiquei espantado! Era como se me tivesse ouvido a cantar a canção nalguma corte medieval e depois, ao regressar a casa, tentasse recriá-la; mas de facto, o que fez foi expressá-la à sua maneira, criando uma variação. Foi praticamente deste modo que a música se desenvolveu durante milénios, até começarem a ser usadas as partituras e os registos fonográficos. E foi esta a razão porque fiz o arranjo da canção mantendo estas duas variações.
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1. Amélia Muge | Arranjo: F. Raposo
2. Tradicional, versão de Creta | Adaptação para português e para música antiga ocidental: A. Muge; arranjo: M. Loukovikas
B. DOS CAMINHOS
3. Caminhos de seda
4. Caminhos pentatónicos africanos
5. Caminhos pentatónicos epiróticos
Quando Amélia compôs esta espécie de morna desafiou-me: “Agora continua até à Grécia a partir de Cabo Verde!” A minha resposta deu-me a chave para continuar: “Como é que eu vou daqui até à Grécia? Temos a África pelo meio!” Só aí pensei na escala pentatónica que caracteriza alguma da música africana e da região do Épiro, na Grécia. Os dados estavam lançados! Harris Lambrakis deu-me depois “uma mãozinha” com a sua “flauta mágica” (ney)…
Parafraseando, como ponto de partida, algumas das frases quer da melodia quer da lírica do tema de Amélia, o meu trabalho nos “Caminhos pentatónicos” foi mais racional que o resultado da inspiração, baseado num ritmo de 10 tempos, coros e linhas melódicas cíclicas que funcionaram muito bem.
Chegados à Grécia, escolhi combinar esta paisagem sonora com uma canção de emigração do Épiro, “Ξενιτεμένο μου πουλί (Meu pássaro emigrante)”, baseada num ritmo de 4 tempos. Como acrescento pedi a Manos Achalinotópoulos, que não é apenas um excelente tocador de clarino mas também um cantor maravilhoso, para interpretar a canção, dotando-a do seu refinado “toque vocal” tradicional.
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3. Amélia Muge | Arranjo: F. Raposo
4. Amélia Muge | Michales Loukovikas | Arranjo: M. Loukovikas e A. Muge
5. Tradicional, versão do Épiro | Arranjo: M. Loukovikas
C. DOS CANTOS
6. Φαίνου | Deixa brilhar (Ἐπιτάφιος | Epitáfio)
7. Canto em periplus
Amélia é amiga de longa data de Hélia Correia, compondo para poemas seus desde os anos 90 – de que é um excelente exemplo “A tentação”. Quando me encontrei pela primeira vez com Hélia estávamos no processo de construção do nosso Periplus. Depois de uma conversa sobre a antiga Hélade, como ela é uma helenista e filelena, ao falarmos do nosso trabalho disse-lhe: “Sabes, Hélia, também vamos ter no Periplus o Epitáfio de Seikilos”. A sua completamente inesperada resposta deixou-me de boca aberta. Sem qualquer comentário, começou a cantar em Grego antigo: “Ὅσον ζῇς φαίνου | μηδὲν ὅλως σὺ λυποῦ· | πρὸς ὀλίγον ἔστι τὸ ζῆν· | τὸ τέλος ὁ χρόνος ἀπαιτεῖ.” (Deixa brilhar a tua vida enquanto dura; não te entregues de nenhum modo à tristeza; a vida é curta e o tempo cobra o que lhe é devido). Foi uma reacção que eu só esperaria vir de um entre mil músicos gregos: os outros não conheceriam esta canção (!) a mais antiga encontrada completa, datada ca. séc. I (algures entre 200 AEC e um pouco depois de 200 EC). Mais tarde, disse à Amélia: “O Seikilos tem de ser cantado pela Hélia!” E de facto ela cantou-o maravilhosamente!
A Amélia encontrou-me na Net em 2009 graças ao meu trabalho baseado na poesia de Ares Alexandrou, Το Χρυσάφι τ’ Ουρανού, editado em Portugal em livro-cd O Ouro do Céu / Ares Alexandrou por Michales Loukovikas. Desapontado com a desatenção e não valorização com que o meu trabalho foi recebido na Grécia, tinha decidido não compor mais nada. A Amélia esforçou-se bastante para me convencer do contrário. Depois de repetidos falhanços teve uma ideia brilhante: fez um poema e compôs uma primeira parte pedindo-me para lhe dar seguimento. Não podia continuar dizer não; seria ingrato da minha parte. ● Quando ouvi o que ela compôs fiquei impressionado pela semelhança com o Epitáfio de Seikilos, que a Amélia, é claro, desconhecia. Assim, quando fiz o arranjo do “Canto em Periplus”, utilizei a composição do Seikilos como introdução (“Deixa brilhar”), bem como uma citação dentro do canto, adaptada para português por Hélia Correia: Ó mortal, deixa brilhar, | a luz da vida no teu rosto; | que a morte vai cobrar imposto | e a todos abate, sem dó por igual.
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6. Seikilos | Adaptação para português: H. Correia; arranjo: M. Loukovikas
7. Amélia Muge | Amélia Muge e Michales Loukovikas | Arranjo: M. Loukovikas
D. DAS ILHAS
8. Παράνομο σημείωμα | Nota ilegal
9. Calma / Ἰθάκη | Ítaca
O Ouro do Céu, nosso ponto de encontro, está em destaque no Periplus com três temas arranjados desta vez por Filipe Raposo, para que houvesse um outro tipo de abordagem às minhas composições. Recordo-me como se fosse ontem como fiquei deliciado quando ouvi pela primeira vez a Nota ilegal, adaptada e cantada para português pela Amélia. “Compus um fado!”, fantasiei sorrindo, enquanto assobiava a minha composição com as ornamentações vocais feitas por ela…
Se “Nota ilegal” é uma ilha-pesadelo de exílio, “Calma”, de Fernando Pessoa, composta por Amélia, é uma ilha de sonho, onde inserimos um excerto do poema “Ítaca” de Constantine Cavafy. Há uma probabilidade dos dois grandes poetas se terem encontrado num barco que se dirigia para Londres e que continuaria depois para os Estados Unidos, mesmo antes da Grande Depressão de 1929.
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8. Ares Alexandrou | Michales Loukovikas | Adaptação para português: A. Muge; arranjo: F. Raposo
9. Fernando Pessoa e Constantine Cavafy | Amélia Muge | Arranjo: F. Raposo
E. DAS VOZES
10. Cântico do país emerso
11. Palavra dada
Esta composição de Amélia para o poema (excerto) de Natália Correia, estava para ser, quando fiz o seu arranjo, a primeira do Periplus (mais tarde escolhemos “Uma pena que me coube” para uma abertura mais “calma”). Optei por começar com um tributo à colaboração entre Carlos Paredes e Charlie Haden, propondo uma improvisação entre o contrabaixo de Kostas Theodorou e a guitarra portuguesa de Ricardo Parreira com o piano de Filipe Raposo. Além disso, quando Amélia me mostrou a melodia num teclado, encontrei semelhanças com o primeiro Hino délfico feito provavelmente por Ateneu em 138 AEC. Assim, entre os versos de Natália, juntei três Interlúdios, adaptando este hino (no I e III) e a canção “Não sou daqui” de Amélia (no II), do seu álbum homónimo (que considero a sua obra-prima). A utilização deste tema surgiu porque as palavras do seu título são iguais às primeiras palavras do excerto do Cântico de Natália.
“Palavra dada”, a mais complicada em termos de arranjo e edição de todo o Periplus, começa pelo fascínio e interacção da Amélia com um Syrtós cretense. A origem desta dança levou-me a um músico heleno da antiguidade, Mesomedes de Creta (séc. II) e ao seu Ὕμνος εἰς Νέμεσιν (Hino a Némesis), a deusa que exerce represálias contra os que são arrogantes (húbris [ὕβρις]: arrogância perante os deuses). Começando com o ritmo original de 15 tempos, muda-se a meio para os 4 tempos do Syrtos, adoptando a versão adaptada por Ross Daly, combinando-a com as Pragas algarvias. À medida que a música cresce, com o violino de Kyriakos Gouventas, passamos para a tradicional portuguesa Cantiga de rega; quando regressamos a Creta, o finale é apimentado com mais pragas ditas por Teresa Muge (irmã de Amélia) e Margarida Guerreiro.
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10. Natália Correia | Amélia Muge | Arranjo: M. Loukovikas > Ateneu (Interlúdios I e III); Amélia Muge (Interlúdio II)
11. Mesomedes (Némesis); Tradicional de Creta (Syrtós, adaptação: R. Daly); Tradicional portuguesa e Amélia Muge (Cantiga de rega); Amélia Muge (Pragas) | Arranjo: M. Loukovikas e A. Muge
F. DOS EMBALOS
12. Νανούρισμα | Canção de embalar
13. Dorme, dorme

Noite estrelada, de Vincent Van Gogh
Outra canção no Periplus com poesia de Ares Alexandrou é a “Canção de embalar”, adaptada para português por Amélia. Na sua forma original (O Ouro do Céu), está dividida em seis partes, à semelhança de um sonho. Na versão do Periplus ouvimos a primeira parte da canção antecedida por excertos de canções tradicionais de embalar e lenga-lengas.
Em ligação com o tema anterior está uma tocante canção de embalar composta por Amélia e arranjada por José Martins e Filipe Raposo. Este “embalo” é cantado a uma menina e não a um menino, como é usual nas canções de embalar tradicionais.
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12. Ares Alexandrou | Michales Loukovikas | Αdaptação para português: A. Muge; arranjo: F. Raposo (introdução: A. Muge e M. Loukovikas)
13. Amélia Muge | Arranjo: J. Martins e F. Raposo
G. DOS AMORES
14. Της τριανταφυλλιάς τα φύλλα | A folha da rosa
15. Da folhinha de uma rosa
Quando lhe enviei esta tradicional canção de amor da Ásia Menor e Esmirna, a Amélia reconheceu, espantada, que o poema era idêntico ao de uma canção tradicional galega que tinha gravado anteriormente com o ensemble de Vigo, Camerata Meiga. Não podemos ter a certeza se alguns gregos e iberos tiveram a mesma ideia (“vou vestir-me com a folha [pétala] de uma rosa”), ou se foi uma ideia que viajou de um lugar para o outro. Em Periplus, convidei Ziad Rajab, um músico amigo Sírio-Palestiniano, para tocar o oud. Cantei a primeira parte do tema em grego, enquanto o resto foi adaptado e cantado por Amélia em português.
Aqui a canção da Ásia Menor ecoa na Galiza através de uma “ponte” em Guimarães. Esta “ponte” é uma versão simplificada da canção grega (o ritmo de 9 tempos de uma dança de pares – antikrystós – passa para um ritmo de 4 tempos) adaptada por Amélia para o Outra Voz, um coro local com quem tivemos uma intensa e especial colaboração. Ainda lembro a minha enorme emoção quando os ouvi pela primeira vez cantando esta adaptação, que o grupo acabou por adoptar como parte do seu repertório. Quando se entra na canção galega, juntam-se outras vozes convidadas e a canção termina num improviso onde no fim se entrecruzam novamente os dois temas tradicionais do Ocidente e do Oriente.
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14. Tradicional, versão da Asia Menor e de Esmirna | Adaptação para português: A. Muge; arranjo: M. Loukovikas
15. Tradicional grega e galaico-portuguesa | Adaptação musical e poética em português: A. Muge; arranjo: F. Raposo
H. DA ALMA | DE PROFUNDIS
16. Se o lamento apenas fosse
17. Τα ἔνδον ῥήματα | Os meus ditames
Um emocionante e pungente lamento composto por Amélia começando no Épiro, com uma dupla improvisão à moda tradicional feita ao clarino por Manos Achalinotópoulos. Criou-se sobre esta sonoridade a atmosfera da tragédia grega, com o coro da Outra Voz (arranjo de José Martins e Filipe Raposo), usando basicamente o ritmo de um solene zeibékiko. É de facto incrível ela conseguir compor para este peculiar ritmo de 9 tempos logo que se familiarizou com ele, pela sua proximidade à cultura helénica.
“Sejas amigo ou inimigo não o reveles em parte alguma. | Aqui me encontro prisioneiro obedecendo aos meus próprios ditames.” Ares Alexandrou usou este couplet como nota de rodapé (este é o seu título original) ou como post scriptum no seu último livro de poesia, parafraseando Simónides, que compôs para os espartanos caídos na batalha das Termópilas o famoso epitáfio-epigrama: “Ó, estrangeiro, vai dizer aos Lacedemónios que nós aqui | jazemos em obediência aos seus ditames”. No Periplus, a nota de rodapé de Ares tem, musicalmente, um ostinato menor que no meu original (O Ouro do Céu), mas Amélia cria o contraste com as suas vocalizações soando como as das Erínias, estendendo o trágico elemento do “Lamento” a “Os Meus ditames” que adapta e recita em português.
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16. Amélia Muge | Arranjo: J. Martins e F. Raposo
17. Ares Alexandrou | Michales Loukovikas | Adaptação para português: A. Muge; arranjo: F. Raposo
I. DAS TASCAS E TAVERNAS
18. Um qualquer quê
19. Abertura da taverna
20. Τα μαγκάκια τής ταβέρνας | Os mangas da taverna

O Fado, de José Malhoa (1910)
Esta sequência acontece como se fosse uma gravação ao vivo da transformação do ambiente de uma tasca de fado no de uma taverna de rebético. É a realização de uma nossa ideia fixa para uma cena fantástica algures numa taverna de um porto durante um tempestuoso mau tempo, e onde as tripulações dos navios imobilizados se reúnem cantando cada uma delas as suas canções até que acontece começarem a cantar em conjunto. Tentámos dar vida a esta cena começando com uma canção de amor da Amélia evocando o fado. Segue-se depois uma necessária “ponte” com um instrumental de cortar a respiração ligando um improviso de fado e rebético com Ricardo Parreira (guitarra portuguesa) e Dimitris Mystakidis (bouzouki), que nos leva ao rebético finale.
Panaiotes Tountas, que se afirma como compositor deste rebético, chamou-lhe “Menor da taverna (Vlamáquia)” (diminutivo de vlames, um sinónimo de mangas). Indirectamente, Tountas refere-se claramente ao instrumental “Menor do tekke” que Iohannes Chalkiás (ou Jack Gregory) gravou nos EUA com um longo e fantástico taqsim (improvisação) no começo. Por isso a melodia parece ser tradicional. Existem várias teorias sobre a etimologia de vlames e mangas. Escolhemos como título “Os mangas da taverna” porque a palavra pode ter vindo do ibérico manga, lembrando que os antigos manges gregos costumavam vestir apenas uma manga do seu casaco. Uma boa combinação com a canção tradicional portuguesa “A mangar” cantada pelos manganões, parecidos com os manges gregos.
A sessão de gravação em Lisboa da “Entrada na taverna” é algo que nunca esquecerei. Expliquei ao Ricardo e ao Pedro Pinhal (viola), que deviam tocar criando “ondas”, deixando espaços “abertos”, para o Dimitris, que gravaria mais tarde em Salónica. Por fim fi-los escutar o taqsim de Chalkiás, como fonte de inspiração. O resultado foi magia pura – um dos melhores solos de fado que alguma vez ouvi – ainda por cima em diálogo com um bouzouki! Quando regressei a Salónica, Dimitris juntou-se na perfeição ao duo português. Finalmente transferi o trio para… a taverna do porto de forma a pudermos ouvi-los tocar em conjunto! Esta é a magia chamada edição…
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18. Amélia Muge | Arranjo: F. Raposo
19. Improviso instrumental de fado e de rebético por Ricardo Parreira e Dimitris Mystakidis | Arranjo: M. Loukovikas
20. Panaiotis Tountas | Rebético tradicional | Arranjo: M. Loukovikas
J. TÃO LONGE, TÃO PERTO
21. Dolor, ai dolor
22. Το βλέμμα σου πού να τελειώνει; | O teu olhar onde acaba? (Versão grega )
23. O teu olhar onde acaba? | Το βλέμμα σου πού να τελειώνει; (Versão portuguesa)
24. Zum zum
As primeiras três partes da sequência final são de facto uma única e longa canção. Na altura em que Amélia tentava em vão que eu voltasse a compor, mandou-me este poema. Passaram-se meses até que numa noite tive um sonho onde tinha rearranjado a sua canção “Arena” (Não sou daqui) como se fosse um rebético! Enfim, tive de passar horas ao piano para chegar à conclusão que o que se passa num sonho não quer necessariamente dizer que possa acontecer na vida real. No entanto o meu tempo não foi gasto em vão. Gradualmente fui deixando para trás a “Arena”, improvisando num outro aliciante modo musical! Felizmente, gravei este improviso e mandei-o para a Amélia, que por sua vez adaptou o seu poema à minha melodia e musicou a sua versão original (“Dolor, ai, Dolor”). Do meu lado, adaptei o seu poema para grego e convidei Eleni Tsaligopoulou para cantar a versão grega; convidei também Zoe Tiganouria para tocar acordeão. No fim da versão portuguesa Eleni e Amélia cantam “Dolor” em conjunto! Na opinião do compositor e pianista grego, Giorgos Andreou: “Um momento de excepção do ponto de vista emocional (e que considero ser o climax do CD) é a interpretação paralela da canção ‘O teu olhar onde acaba?’ por Eleni Tsaligopoulou em grego e Amélia Muge em português.”
Embora seja um tema composto por Amélia e a mim dedicado como prenda de aniversário, “Zum zum” é mais do que isso. Evoca “Run run se fué pa’l norte” de Violeta Parra, como uma espécie de tributo ao seu trabalho enraizado na canção tradicional chilena, exprimindo a vida e os problemas do seu povo. Zum zum significa em português uma espécie de rumor, passando de boca em boca, de uma pessoa para outra. Acorda, diz, porque “Todas as flores do campo / Todas as aves do céu / Todos os peixes do mar / Vieram à tua porta / P’ra te saudar / P’ra te cantar / Que há um zum zum / Que vem do sul”… É uma espécie de canção ibérico-latino-americana, que se liga com a melodia de “O teu olhar onde acaba?” – usada aqui como introdução. O ritmo de 9 tempos no fim da canção anuncia a chegada do Zum zum à Grécia – algo que também é validado pelas… cigarras!
● Eu e Amélia estávamos em Escópelos, Grécia, de férias. Fomos um dia para uma praia cheia de gente e por isso sentámo-nos à sombra, debaixo de uma árvore, perto do bar da praia. Um altifante, instalado num ramo, tocava sobre as nossas cabeças. “Elas estão a tempo”, disse Amélia. Perante a minha perplexidade, explicou: “As cigarras ‘cantam’ a tempo, não saem do ritmo!” “Nem pensar!”, respondi. Mas rapidamente admiti que ela tinha razão! De facto elas seguiam muito facilmente o ritmo das canções pop. Tinham algum problema em acertar quando o ritmo mudava para alguma canção brasileira mas depressa se adaptavam… Eu estava fascinado! ● De volta a Lisboa tive uma ideia completamente louca enquanto trabalhava no “Zum zum”. Procurei sons de cigarra na net, mas o que encontrei foram “coros” de cigarras. Procurei então por cicadas, cigales, cigalas, mas continuava a não encontrar o que procurava – até que experimentei pela palavra grega τζιτζίκια: apareceu uma enorme abundância de sons e entre eles de cigarras solitárias (o que eu estava à procura), para que pudessem ser “amestradas” (através da “magia da edição”) para “‘cantar’ em conjunto” com o coro, mantendo os ritmos do “Zum zum”! Quando acabei, convidei a Amélia e o José Martins para escutarem o coro das minhas cigarras especialmente “amestradas”. O que nos rimos! É o significado da frase “amostras de cigarras gregas amestradas” mencionada no livrinho do Periplus em referência a mais esta minha contribuição para o trabalho. ● E as cigarras não apareceram apenas no CD: no fim dos nossos concertos do Periplus, a audiência saía dos teatros ouvindo as τζιτζίκια gregas!
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21. Amélia Muge | Arranjo: M. Loukovikas
22. Amélia Muge | Michales Loukovikas | Adaptação para grego e arranjo: M. Loukovikas
23. Amélia Muge | Michales Loukovikas – e Amélia Muge (finale) | Adaptação para grego e arranjo: M. Loukovikas
24. Amélia Muge | Amélia Muge – e Michales Loukovikas (introdução) | Arranjo: J. Martins e M. Loukovikas
● Ver também: MARIA DO ROSÁRIO PESTANA sobre “PERIPLUS” | GIORGOS ANDREOU sobre “PERIPLUS”
TROUPE MUSICAL do PERIPLUS: Amélia Muge: voz, guitarra braguesa, coros, fala, sons de ambiente. | Michales Loukovikas: voz, coros, fala, amostras de vozes e sons, estalos, percussão, acordeão, palmas.
António Quintino: contrabaixo. | Filipe Raposo: piano, teclados, acordeão. | Harris Lambrakis: ney (flauta oriental), flauta de bisel. | José Martins: percussão, kalimba, sintetizador, sons, palmas. | José Salgueiro: percussão, palmas. | Kyriakos Gouventas: violin, viola, bandolim. | Manos Achalinotopoulos: clarino (clarinete folk), voz, coros. | Ricardo Parreira: guitarra portuguesa.
CONVIDADOS ESPECIAIS: Hélia Correia, escritora: voz. | Eleni Tsaligopoulou, cantora: lengalengas, risos, coros, voz. | Outra Voz, coro dos cidadãos de Guimarães: sons de água, de vento, de mar, de ambiente, coros, lengalengas, respirações, falas.
OUTROS PARTICIPANTES: André Maia: fala. | Catarina Anacleto: violoncelo, coros. | Cristina Benedita: coros. | Dimitris Mystakidis: bouzouki, djurá, guitarra de rebético. | Eduardo Salgueiro: palmas. | Francisco e Sofia Van Epps: lengalengas, risos. | Irene Bakalopoulou: harpa. | José Barros: bandolim, cavaquinho, guitarra braguesa, coros. | José Manuel David: kalimba, voz, trompa, gaita, coros. | Kostas Theodorou: contrabaixo, percussão. | Mariana Abrunheiro: coros. | Margarida Guerreiro: pragas. | Pedro Pinhal: viola de fado. | Rui Vaz: fala, coros. | Teresa Muge: voz, pragas. | Ziad Rajab: oud. | Zoe Tiganouria: acordeão.
AUTORES: Amélia Muge | Ares Alexandrou (1922 – 1979) | Athenaeus (séc. II AEC) | Constantine Cavafy (1863 – 1933) | Fernando Pessoa (1888 – 1935) | Hélia Correia | Mesomedes (início do séc. II EC) | Michales Loukovikas | Natália Correia (1923 – 1993) | Panaiotis Tountas (1886 – 1942) | Seikilos (ca séc. I EC)

As damas do rebético, de A. Tassos (1970)