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ΙΙΙ Festival
TÃO LONGE, TÃO PERTO
Música e Poesia em Língua Portuguesa
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maio de 2013)*
Testemunho para debate de Michales Loukovikas
* O Festival Tão Longe Tão Perto foi organizado em colaboração com o grupo Música Surda: Andréia Pedroso, Antônio Jardim, Artur Gouvêa e Eduardo Gatto.
Quando Amélia Muge e eu começámos a trocar e pesquisar material relacionado com as nossas tradições, a lusitana-portuguesa e a helénica-grega, muitas pessoas ergueram as sobrancelhas com ironia e descrença:
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“Ah, eles são loucos”, pensaram, outros até disseram: “Portugal e Grécia são tão distantes, é impossível encontrar uma base comum”…
Imaginem o que dirão estas pessoas de “sobrancelha erguida” agora que estamos falando num triângulo, não o das… Bermudas, mas de Portugal, Brasil e Grécia. Bom, Portugal e Brasil, tudo bem, a relação é evidente: antiga colónia e metrópole. Mas… a Grécia?!!

Flamenco (de Hyatt Moore):
uma arte ligando a Iberia e a India
Posso dizer que os resultados de nossa colaboração até a nós surpreenderam! Devo acrescentar que mesmo a alguém que como eu tem vindo a pesquisar neste campo há muitos anos, concluindo que civilização e cultura são o
resultado do dar e receber, de trocas. Também provei nos meus programas de rádio que lugares tão distantes como Índia e Ibéria por exemplo têm estado interconectados faz milhares de anos, desde os tempos antigos… Bem, quando nós, gregos, dizemos “antigos” significa AEC (antes da era comum) ou AC (antes de Cristo), se preferirem.
Todas essas ideias foram ainda mais reforçadas quando Amélia e eu começamos a trabalhar no Periplus. Claro que mesmo agora ainda há alguns “pontos obscuros”; questões que permanecem sem resposta. É por exemplo uma questão intrigante para mim: como pode a Amélia, uma portuguesa nascida em Moçambique, compor em estilo antigo? Isto porque todos os três temas gregos antigos que temos no Periplus (o Epitáfio de Seikilos, o Primeiro Hino Délfico dedicado a Apolo e o Hino a Némesis de Mesomedes) foram incluídos por causa das composições dela, que me lembraram as canções gregas antigas supra mencionadas. É muito estranho.

Pyxis (Píxis): uma pequena caixa cilíndrica andalusa, de marfim, para cosméticos ou joalharia (séc. X)
Mas fora esses “pontos obscuros”, que sempre nos irão desafiar a encontrar respostas satisfatórias, fomos capazes de organizar o resto do puzzle com algum conforto. E quando o nosso Periplus foi lançado, eu pude dizer:
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“As conexões estão aí, esperando por nós para serem descobertas. Só é necessário pesquisar metodicamente, é claro, e com uma bússola adequada” – como vocês dizem, bússula, como nós dizemos.
- (a) Temos a mesma palavra vinda do grego (pyxos > pyxis-pyxida > buxis-buxida > box, boîte, e bussola), com o nome dado à planta pyxos (> buxo) como ponto de partida; é um arbusto de madeira muito dura, compacta e durável que tem sido usada desde a antiguidade para construir recipientes, tais como pyxides (pequenas caixas), e instrumentos musicais de corda e sopro. As suas sementes estão dentro de uma cápsula que também se chama pixídio. De facto, quem dentro dos não-especialistas poderia imaginar que a inglesa box (caixa) tinha tido uma origem grega?
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A península grega e o seu arquipélago não foram um começo da história da civilização. Os gregos receberam a sabedoria do Oriente (Ásia Menor, Egipto e Mesopotâmia) e transformaram-na em ciência;(b) foi um grande feito! E deixaram uma literatura maravilhosa! A civilização helênica tornou-se por isso a base fundadora das culturas ocidentais.
- (b) Não pode existir uma grande civilização sem a tecnologia equivalente. Uma maravilha neste domínio é o Mecanismo de Anticítera, o mais antigo computador analógico, concebido para calcular as posições dos astros. Datado de 100 AC, foi recuperado em 1901 de um navio naufragado perto da Anticítera entre o Peloponeso e Creta, mas o seu significado e complexidade só foram compreendidos um século depois. Dispositivos de um nível correspondente reaparecerão na Europa no séc.14, com a construção dos relógios astronómicos. O professor Michael Edmunds da Universidade de Cardiff, que dirigiu em 2006 um estudo sobre este mecanismo, refere:
“Este mecanismo é simplesmente extraordinário, único dentro deste género. O design é maravilhoso, a astronomia exacta. A forma como foi concebido deixa-nos de queixo caído… Em termos de valor histórico e raridade, sou obrigado a olhar para este mecanismo como sendo mais valioso que a Mona Lisa.”

Victória, a única nau da frota de F. Magalhães que completou o periplus ou circum-navegação à volta da terra (detalhe de um mapa de Ortelius, 1590)
Os periploi (plural de periplus) que chegaram até nós ocorreram no mar Mediterrânico e nos oceanos Índico e Atlântico. Heródoto também escreveu sobre um périplo por África feito pelos fenícios em nome de um faraó egípcio. Um grego de Alexandria (Egipto) descreveu as costas do Oceano Índico na África do leste e Índia. Píteas, da colónia grega de Massália (moderna Marselha, França) viajou pelo norte até às Ilhas Britânicas e Escandinávia e concluiu um periplus europeu navegando através dos rios da Europa do Báltico ao Mar Negro, voltando ao Mediterrâneo. Há também quem acredite que os minoicos cretenses, os gregos, os egípcios, os púnicos e outros povos da antiguidade navegaram até ás Américas antes dos vikings ou de Colombo – ou, é claro, de Fernão de Magalhães que tentou um periplus à volta da terra mas não teve a sorte de concluí-lo.
Mas essas viagens começaram na Idade do Bronze, muito antes dos registos históricos. Há muitos indícios de que os minóicos na época do seu domínio marítimo (talassocracia) viajaram até á Cornualha (Bretanha) à procura de estanho, ou obtinham-no no sul da Gália. O estanho é um componente necessário ao fabrico do bronze (10% de estanho com 90% de cobre). Havia naquela época muito cobre no Mediterrâneo. Chipre por exemplo estava cheio de cobre e o nome desta ilha tem origem nesta palavra. Mas estanho? Não havia muitos lugares no Mediterrâneo que o tivessem e os que o tinham era em pouca quantidade.

Andaluzia com Tartessos e Gadir-Gadeira-Gades-Cádis, uma colónia fenícia em três ilhas com nomes gregos: Erytheia, Kotinoussa e Antipolis, enquanto Melcarte, o deus tutelar, se assemelha a Héracles, o fundador da cidade segundo um mito grego…
Os minoicos e mais tarde os gregos e os fenícios, navegaram até á Ibéria que era rica em minerais. Muito provavelmente teriam sido os andaluzes a levar os cretenses até à Galiza, Bretanha e Cornualha: eles sabiam o caminho… Todos esses lugares, especialmente a Cornualha, possuíam grandes depósitos de estanho. Lá, perto da Galiza, ou talvez da Cornualha, estariam as chamadas Cassitérides Nesoi, as Ilhas de Estanho (cassiteros significa estanho em grego). Heródoto e outros historiadores escreveram também sobre as ligações dos gregos e fenícios com Tartessos na Andaluzia, na foz do Guadalquivir, e há quem nos dias de hoje correlacione Tartessos com a misteriosa Atlântida…
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Uma das duas famosas estátuas gregas de tamanho inteiro de guerreiros barbudos despidos, as chamadas Bronzes de Riace, fundidas em cerca de 460-450 AC, redescobertas em 1972 e consideradas como um dos símbolos da Calábria
A minha investigação começou com algumas perguntas muito simples:
• Aonde é que a Idade do Bronze Mediterrânica encontrou estanho para produzir o bronze?
• Quem foram os comerciantes marítimos desse tempo a trazer este metal crucial para o Mediterrâneo e onde é que o encontraram?(c)
- (c) Podem consultar detalhes desta saga no blogue de Periplus, na categoria Once Upon a… Wave, nas Crónicas de 1 a 10: tendo como ponto de partida um Périplo mediterrânico; deambula-se pela Creta minóica, pela Grécia micénica, pela Fenícia; desvenda-se o Enigma dos Povos do Mar; descobre-se o “El Dorado” na Ibéria; Revivendo um Périplo ibérico; e observa-se os esforços para Restringir a liberdade de pensamento, bem como a catástrofe de Tartesso e Cartago (“Carthago Delenda Est”), enquanto se vê a Ibéria com olhos imparciais, e se tiram conclusões a partir de um Waterloo arquelógico.
A conclusão é que certas necessidades levam as pessoas a viver em conjunto, a comunicar, a fazer trocas entre elas. Foi assim que a sociedade nasceu, as cidades foram criadas, apareceram as classes e a divisão social do trabalho, e a escrita foi inventada. A interacção embora ligada a necessidades materiais transformou os que trabalharam em conjunto também pela troca de ideias e ideais, processo que está na base do nascimento da civilização e da cultura.

Safo e Alcaeu, de Lawrence Alma-Tadema
Não é assim tão óbvio, mas temos também coisas como um “periplus” noutros empreendimentos humanos. A música nasceu em conjunto com a fala. Num estado mais avançado, na Grécia antiga, música significava quer o instrumental quer a canção. A poesia na Grécia clássica era inconcebível sem música. As duas artes acabaram… por divorciar-se mais tarde, no séc. 4 AC. Contudo, quer antes, quer depois, foi necessário (e ainda é) um “periplus” para combinar sons e palavras, e para expressar o significado das palavras através dos sons. Algo parecido acontece na tradução: neste caso, o “periplus” diz respeito a duas linguagens. É a viagem do texto, o seu sentido e estilo, conteúdo e forma, ao ser adaptado para que comece a respirar num outro ambiente linguístico…
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A Odisseia é uma espécie de “periplus” poético. De acordo com os Lusitanos, as deambulações de Odisseu( Ulisses) foram também luso-gregas: ele fundou Lisboa e teve um filho de uma princesa Ibérica: Calipso. Homero descreveu a descida de Odisseu ao Hades, o mundo dos mortos, que estava para lá dos Pilares de Hércules, quer dizer, o Estreito de Gilbraltar. Os gregos localizaram na mesma área o Jardim das Hespérides e as Ilhas Afortunadas (Makaron Nesoi), as Ilhas Bem Aventuradas ou o Elísio, onde hoje se pensa ser a Macaronésia (Açores, Madeira, as Canárias e Cabo Verde).
Dante, no seu Inferno, cita outra versão da descida sem retorno de Odisseu ao mundo dos mortos. Segundo ele, o rei de Ítaca passou os Pilares de Hércules e velejando para sul, atravessou o Equador e continuou a viajar durante meses, até chegar a uma baía com uma grande montanha. Nessa altura, um tornado afundou o seu barco…
Não sei porquê, mas acho que essa baía com uma grande montanha é… o Rio de Janeiro! Eu gostaria de poder confirmá-lo…